Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
sexta-feira, dezembro 31, 2010
Vamos brincar à caridadezinha
Último debate, o que nos quiseram convencer ser o mais importante. Afinal o sistema tem os seus candidatos e o resultado das eleições já decidido nos gabinetes dos Senhores da Nova Ordem. Mais uma perda de tempo e onde bastava ouvir o Sr. Silva a falar do Estado Social para o vomito vir logo ao de cima. É que para ele, estado social parecem ser as Instituições de Solidariedade social, num regresso ao passado da caridadezinha do bolorento Salazar.
O Alegre não é solução, nem os Nobres, os Chicos ou os Mouras, mas certo é que todos são melhores que esta feia e triste personagem chamado Cavaco. Mais uma vez digo, votem em quem desejarem, mas votem e votem contra esta "múmia" política.
A que se deve o interesse pela Índia?
Em apenas dois meses, Novembro e Dezembro deste ano, a Índia recebeu a visita dos mais altos dirigentes das principais potências mundiais. Depois do presidente dos EUA, em Novembro, seguiram-se o presidente francês em começo de Dezembro e, em meados do mês, o primeiro-ministro chinês e o presidente russo. Se recuarmos até Julho, há ainda a somar o primeiro-ministro britânico.
Em qualquer dos casos, as agendas estavam preenchidas com vultuosas propostas de acordos comerciais, de venda de centrais nucleares e de armamento – tudo sustentado em promessas de apoio à pretensão da Índia de vir a ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O que torna a Índia tão interessante?
Em qualquer dos casos, as agendas estavam preenchidas com vultuosas propostas de acordos comerciais, de venda de centrais nucleares e de armamento – tudo sustentado em promessas de apoio à pretensão da Índia de vir a ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O que torna a Índia tão interessante?
A crise e a taxa de lucro
A crise entrou no seu quarto ano. A pior catástrofe económica desde a Grande Depressão já teve efeitos devastadores para milhões de pessoas. Esta crise e a sua sequela são a prova mais clara e dolorosa do fracasso do capitalismo financeiro que dominou a economia mundial nos últimos 30 anos. O mais provável é que a estagnação e as altas taxas de desemprego durarão muitos anos. Hoje mais do que nunca é crucial compreender a natureza da crise.
Desde o Outono de 2007, quando as folhas de balanço dos bancos estado-unidenses revelaram os problemas na sua carteira hipotecária, as interpretações oficiais viraram-se para a hipótese mais fácil: tratava-se de uma crise confinada ao sector financeiro. Essa interpretação é enganosa e é urgente criticá-la.
Desde o Outono de 2007, quando as folhas de balanço dos bancos estado-unidenses revelaram os problemas na sua carteira hipotecária, as interpretações oficiais viraram-se para a hipótese mais fácil: tratava-se de uma crise confinada ao sector financeiro. Essa interpretação é enganosa e é urgente criticá-la.
Rumores de recuperação e tabus políticos
O fim de 2010 trouxe uma retórica renovada da parte de Washington, de alardes do media e também de declarações académicas acerca da "recuperação" da economia estado-unidense. Nós já as ouvimos antes, desde que fomos atingidos pela crise em 2007. E elas sempre se demonstraram erradas. Mas os rumores acerca de uma recuperação são úteis para alguns. Os republicanos afirmam que o governo deveria fazer menos uma vez que a recuperação está a caminho (para eles, naturalmente, a acção do governo é sempre contraproducente). Da mesma forma, republicanos e muitos democratas centristas afirmam que não são mais necessárias políticas de distribuição do rendimento porque recuperação significa crescimento, o qual faz com que todos obtenham uma fatia maior de um bolo em expansão económica. O alarde acerca de uma recuperação também ajuda a administração Obama a dizer que as suas políticas estão a ter êxito.
Mas isto é mais fantasia do que realidade. Afinal de contas, cerca de 20% da força de trabalho dos EUA que ficou desempregada ou sub-empregada em 2009 permanece assim quando entramos em 2011. Não há recuperação aí. Pior ainda, um quarto daqueles que encontraram trabalho desde que a crise começou obtém apenas empregos temporários sem benefícios. Em segundo lugar, as acções de arrestos por parte dos bancos – incluindo aqueles bancos que obtiveram a maior parte dos salvamentos do governo – continuam a expulsar milhões das suas casas. Nenhuma recuperação aqui, tão pouco (excepto para os maiores bancos). Em terceiro lugar, considere porque o Federal Reserve no mês passado decidiu criar mais US$600 mil milhões de dinheiro novo e o Congresso e o presidente acordaram este mês num estímulo fiscal adicional (estendendo os cortes fiscais de Bush, reduzindo retenções da segurança social em 2011, etc). Eles dão esses passos porque todos os salvamentos anteriores, facilidades monetárias, isenções fiscais e estímulos fiscais do governo fracassaram em finalizar esta crise. Estão imunes ao reconhecimento de que mais das mesmas políticas que fracassaram antes podem fracassar outra vez.
Mas isto é mais fantasia do que realidade. Afinal de contas, cerca de 20% da força de trabalho dos EUA que ficou desempregada ou sub-empregada em 2009 permanece assim quando entramos em 2011. Não há recuperação aí. Pior ainda, um quarto daqueles que encontraram trabalho desde que a crise começou obtém apenas empregos temporários sem benefícios. Em segundo lugar, as acções de arrestos por parte dos bancos – incluindo aqueles bancos que obtiveram a maior parte dos salvamentos do governo – continuam a expulsar milhões das suas casas. Nenhuma recuperação aqui, tão pouco (excepto para os maiores bancos). Em terceiro lugar, considere porque o Federal Reserve no mês passado decidiu criar mais US$600 mil milhões de dinheiro novo e o Congresso e o presidente acordaram este mês num estímulo fiscal adicional (estendendo os cortes fiscais de Bush, reduzindo retenções da segurança social em 2011, etc). Eles dão esses passos porque todos os salvamentos anteriores, facilidades monetárias, isenções fiscais e estímulos fiscais do governo fracassaram em finalizar esta crise. Estão imunes ao reconhecimento de que mais das mesmas políticas que fracassaram antes podem fracassar outra vez.
O NEGRO E O VERMELHO
A Dialéctica e o Social em Proudhon
"Sou um revolucionário e não um desordeiro."
Proudhon morreu há mais de 130 anos (1). Influente em quase todos os autores dos fins do século passado e dos começos do presente, Proudhon é mais citado que conhecido, no entanto é minha convicção que o conhecimento da sua obra é indispensável para quem se debruça sobre a evolução das ideias políticas, sociais, económicas e até filosóficas dos últimos tempos. Não é minha intenção proceder a uma análise completa da doutrina proudhoniana. O meu trabalho é bem mais limitado pois só interessa aqui e agora a sua dialéctica e o tipo de relações com o social. Proudhon recebeu de Marx e sobretudo do marxismo oficial uma condenação severa. Poder-se-ia dizer, que esteve no index em grande parte, devido à célebre obra de Marx: A Miséria da Filosofia (1847), que tem como subtítulo: Resposta à Filosofia da Miséria de Proudhon, e constitui uma crítica virulenta à importante obra de Proudhon: Sistema das Contradições Económicas (1846), que tem como Subtítulo : A Filosofia da Miséria. Marx acusa Proudhon de ser um pequeno burguês oscilando entre contradições inextricáveis e de nunca ter podido compreender o que é a dialéctica e a luta de classes. no Manifesto Comunista, publicado algumas semanas antes da Revolução de Fevereiro de 1848, o juízo de Marx sobre Proudhon torna-se ainda mais severo, Cataloga-o entre os socialistas burgueses e reaccionários. Estranho juízo este, se nos lembrarmos de que Proudhon foi o terror da burguesia francesa, a partir da sua eleição para a Assembleia Constituinte, a 8 de Junho de 1848, pelos operários de Paris.(2) Mas a posição de Marx em relação a Proudhon não foi sempre de crítica. Notemos que na sua juventude, após ter tido conhecimento da obra O que é a propriedade? (1840), Marx fala na "Rheinische Zeitung" de 16 de Outubro de 1842 "dos trabalhos tão penetrantes de Proudhon" e que, numa carta escrita na mesma época, se lhe refere considerando-o "o pensador mais notável do socialismo francês". Na Sagrada Família (obra colectiva escrita por Marx e Engels, 1844-45), Marx toma a defesa de Proudhon contra os seus críticos alemães, e chama-lhe o único proletário autêntico de todos os escritores socialistas. Diz Marx: "Proudhon não escreve só no interesse dos proletários, ele próprio é proletário, operário. A sua obra é uma manifesto científico do proletariado francês e tem assim uma grande importância histórica". Marx vai mais longe e também declara que: "Proudhon submete a base da economia nacional, a propriedade privada, a um primeiro exame sério, absoluto, ao mesmo tempo que científico. A obra de Proudhon: O que é a Propriedade? tem, para a economia nacional moderna, a mesma importância que a obra de Sieyés: O que é o Terceiro Estado? para a politica moderna."
Muito haveria a dizer sobre as relações de Marx e Proudhon, mas pensamos que não é o momento oportuno pois sairíamos do âmbito estrito do trabalho que é a questão da dialéctica.(3)
Opondo-se politicamente aos conservadores, aos liberais, aos republicanos e aos comunistas, Proudhon quer no entanto analisar as posições teóricas dos seus adversários (a teologia, a questão do Estado, a utopia) e opor um método de pensar que explique e torne verídicas as suas conclusões. Daí a importância declarada para Proudhon dum método intelectual que permita escapar às ciladas do dogmatismo. As suas conclusões não se compreendem a não ser referidas no quadro do seu pensamento: a dialéctica.(4)
Sabemos que Proudhon de 1840 a 1848 se lançou numa grande investigação onde foi ajudado por inúmeras leituras que foi fazendo. Sabemos que leu a Bíblia, Fourrier, Saint-Simon, Sismondi, Adam Smith, Ricardo, os economistas franceses mas também traduções ou fragmentos de Kant, Leibniz, Fichte, Feuerbach, Strauss, Hegel e outros.(5) O que temos no entanto que salientar é que se Proudhon lê todos estes autores não é para se submeter a uma escola, mas sempre para definir o seu próprio método, que no seu entender nem os teólogos, nem os intelectuais burgueses, nem os socialistas utópicos souberam construir.
Já em 1840 quando Proudhon escreve O que é a propriedade? possui um método intelectual preciso.
A sua teoria do conflito social impõe-se na sua experiência de operário onde Proudhon pôde viver todas as dificuldades do operário e do artesão face aos proprietários de capitais. Foi a partir desta experiência de trabalho que Proudhon teorizou a relação do capital e do trabalho. Nesta experiência, as fórmulas de Saint-Simon sobre a exploração do homem pelo homem no trabalho indicam a Proudhon a via na qual prossegue a análise do conflito socio económico.
A leitura de Kant forma um momento nesta evolução. Fora da teoria da moral na qual Proudhon voltará algumas vezes, a posição crítica e racionalista dos problemas vêm confirmar as sua intuições. Não esquecerá a lição kantiana não para por a questão clássica: O que é Deus? O que é a Propriedade ou o Estado? mas para perguntar: Donde vem a ideia de Deus? Como é gerada a propriedade? Como é que cremos nesse mito que é o Estado)(6)
A leitura de Kant obriga Proudhon a responder ao problema das categorias mentais, à questão de saber se a dialéctica é própria do espírito humano da razão, ou se ela é uma dimensão objectiva da realidade. Proudhon recusa uma tal alternativa entre o racionalismo e o empirismo e do mesmo modo a alternativa do espiritualismo e materialismo. Parece-lhe essencial reconhecer a objectividade do que ele chama "as série reais", quer dizer as divisões, distinções objectivas e ordenadas e por outro lado, as "Séries ideais", quer dizer os sistemas de relações que o espírito apreende do real, mas que não são somente reflexos da realidade. pelas séries ideias, o espírito inventa, reconstroi a realidade, pode combinar relações que não existem na realidade. (7)
Proudhon precisa que esta aquisição das "séries ideais", das categorias do entendimento e das estruturas lógicas, vêm da acção e particularmente do trabalho. É nesta acção que o homem experimenta as relações entre as coisas, corrige as suas ideias e inventa novas relações. A própria filosofia elaborou-se a partir do trabalho.(8)
Temendo livremente e de maneira pessoal a filosofia kantiana, Proudhon lê Feuerbach e Hegel com a mesma distância crítica. De Feuerbach, retém a ideia, essencial na sua análise, da alienação, mas transpondo-a a outros objectos e, em particular, à crítica do Estado. Se para Feuerbach, a alienação a analisar é a qual o homem atribui a Deus o que lhe pertence como coisas particular, para Proudhon pelo contrário, é na formação do Capital que se reproduz concretamente esta alienação. Para além disso, Proudhon desconfia do que ele chama "a metafísica de Feuerbach" o humanismo segundo o qual a humanidade seria o lugar do sagrado: desconfia desta filosofia reconstruir um novo "misticismo".(9) O ser humano traz consigo próprio e necessariamente, a contradição.(10)
A reflexão crítica sobre a obra de Hegel ocupa um lugar igualmente importante. é verdade que Proudhon não pôde ler a não ser traduções (visto não saber alemão) mas desde 1840 nota-se o seu interesse crítico pelo pensamento hegeliano, pela definição da dialéctica, pela tese que ele retomará, na sua própria versão, da identidade das categorias do real e das categorias do entendimento. Entretanto, desde as suas primeiras leituras Proudhon desconfia duma construção intelectual que lhe parece demasiado abstracta e que obedece apenas à sua própria lei.(11)
Hegel não fazia então obra de ciência, mas de filosofia. A distância é, com efeito, considerável entre a sua dialéctica e a do pensador francês. Proudhon não reduz somente este esquema trinitário a ser um caso possível das relações dialécticas e não se propõe nunca reduzir uma realidade humana a esta única dialéctica, mas, mais ainda, desenvolve contra a noção de "síntese", a mais viva crítica. Proudhon nega com efeito - e esta negação tem um grande significado para toda a sua concepção política - que toda a dialéctica se complete numa síntese. Nega que os termos em contradição encontrem necessariamente a sua ultrapassagem e a sua conclusão num novo sistema. pelo contrário, Proudhon desconfia desta síntese ser uma representação destruidora do movimento, e eventualmente ser, na realidade humana, o momento do poder, o momento da opressão onde um Estado pretende sintetizar os contrário quando nesse momento os destroi.(12)
Georges Gurvitch foi um dos principais comentadores de Proudhon e professor de Sociologia na Sorbonne que sublinhou o anti-hegelianismo de Proudhon.(13)
A dialéctica proudhoniana é também original e pouco dogmática. É um método intelectual procedendo por proposição e contra proposição como já Platão ensinava e prepara a conhecer as antinomias da realidade social (assim: monopólio e concorrência, em economia; autoridade e liberdade, nas relações sociais) a pensar menos os termos que as relações entre os termos, os seus conflitos e a sua transformação. Não se reduz a um modelo simples e sempre idêntico: deve ao contrário inventar modelos diversos de relações: antagónicos, conflituais, complementares, correspondentes à diversidade das antinomias reais.
A dialéctica não é somente um método de pensar, mas a característica própria das realidades sociais. Como o francês desenvolve longamente a análise socio-económica exposta no Sistema das Contradições Económicas, a realidade social é feita de múltiplas contradições cabendo à ciência social fazer o inventário. Algumas destas contradições são chamadas a revolverem-se num equilíbrio (o "valor constituído") outras devem pelo contrário subsistir pois participam no dinamismo económico (a antinomia do monopólio e da concorrência).(14) (15)
Este carácter dialéctico da realidade social vem responder, segundo Proudhon, ao problema da natureza das relações sociais que não são nem assimiláveis a uma realidade física (materialismo) nem redutíveis a sistemas lógicos (idealismo). Será uma das obsessões de Proudhon responder a esta questão, constituir uma teoria que ponha em evidência a especifidade do social em oposição aos outros objectos do pensar. É a teoria que Proudhon propõe chamar "ideo realismo" que no nosso entender é um termo infeliz pois é susceptível de causar mal entendidos.
As relações sociais são, por assim dizer, reais e ideais. A relação social é por sua vez uma realidade e uma lógica ou, como diz Proudhon uma "ideia". O que se quer dizer com isto é que as dialécticas sociais não são trocas intelectuais, mas que as relações sociais são incessantemente portadoras duma lógica interna que lhe é constitutiva. São bem, neste sentido, realidade "dialécticas". Esta especificidade do social tem múltiplas consequências. Compreender-se-à, por exemplo, que as representações, as crenças, as ideologias, jogam na história funções importantes e por mecanismos particulares.(16) (17)
Esta teoria dialéctica das relações sociais inclui uma concepção particular da sociedade. O acento é posto antes de tudo sobre a diversidade, sobre a pluralidade dos termos, dos sujeitos, dos grupos em presença. São as antinomias, os equilíbrios e as tensões entre os diversos elementos, que asseguram o movimento, os dinamismos, as inovações. Esta observação será fundamental nas proporções anarquistas e federalistas. Mais ainda, esta concepção fluída dos termos sociais que os torna necessários à vitalidade social, condena toda a representação autoritária, absolutista, governamental. Aos olhos de Proudhon, a concepção dialéctica do social, fazendo de todos os termos e das suas relações dinâmicas as causas reais da vida colectiva, condena as estruturas opressivas, assim como denuncia as alienações, e funda uma concepção igualitária.
Finalmente, falta dizer, que esta dialéctica não conduz, de modo algum, a uma redução do indivíduo, a uma negação da acção e da inovação individual. Proudhon, com efeito, resiste obstinadamente a toda a tentação de atribuir à sociedade uma nova transcendência que se opusesse às iniciativas individuais. Do mesmo modo que a pluralidade dos grupos participa na vitalidade do social, assim, também as liberdade individuais e, em certa medida, as tensões e os compromissos entre as pessoas participam do dinamismo social, tendo em conta que isto aconteça numa sociedade mutualista.
Não é para admirar que esta dialéctica, inspirada em certa medida na filosofia alemã, mas, na realidade, em desacordo com cada uma das suas origens, tenha sido mal recebida e mal compreendida. Alexandre Herzen, que, da Rússia, seguia com paixão a evolução do socialismo francês, escrevia em 1845, dando conta deste facto, ao receber o livro Da Criação da Ordem na Humanidade (18) fazendo de Proudhon um "pur hégelien" e ajuizando que Hegel "a façonné Proudhon à son image". É também a Hegel que Marx aproximava Proudhon, mas, ao contrário de Herzen, para concluir que Proudhon não tinha realmente compreendido a dialéctica hegeliana. Em 1865, lembrando-se das longas discussões parisienses, Marx atribuir-se-à o papel de professor em hegelianismo junto de Proudhon.(19)
Com efeito, Proudhon apesar do seu interesse por Hegel foi sempre obstinadamente rebelde à concepção hegeliana da dialéctica à qual critica, não somente a sua abstracção, mas também as suas conclusões políticas conservadoras. A síntese de Hegel, pretende ultrapassar a tese a antítese absorvendo-as é "governamental"; conduz à "prepotência do estado".(20)
É, ao contrário de Feuerbach que Karl Grün aproxima Proudhon até fazer dele o "Feuerbach francês". Grün fazia de Fourier o "Hegel francês". Mas, como vimos, se Proudhon se enriqueceu com a leitura de Feuerbach e de Hegel não deixou de seguir o seu próprio caminho.
Uma das dificuldades que podem encontrar os contemporâneos de Proudhon para compreender esta dialéctica deve-se ao facto do pensador francês designar uma realidade que não lhes era familiar. Esperaram que Proudhon tomasse partido sobre o problema da existência de Deus, que propusesse uma nova filosofia, ou ainda, que construísse uma nova teoria socialista. Ora, nenhum destes objectivos é o seu e se Proudhon se interroga sobre Deus e sobre a filosofia, é em função duma outra interrogação sustentada pelas realidade sociais.
A tese fundamental de Proudhon não é somente que as relações sociais são mais importantes que as estruturas políticas, mas que os acontecimentos e as mudanças sociais e, em primeiro lugar, as relações sociais do trabalho, têm a sua realidade e o seu dinamismo próprio. (21)
A sociedade não é uma abstracção, mas um ser colectivo que possui as suas características particulares. O facto de "la force collective"(22) vem claramente confirmar esta "realité" do social para além dos indivíduos que o compõem, pois, como o diz Proudhon mais de uma vez, só o facto do agrupamento, da organização das pessoas, engendra uma força própria.(23)
Para exprimir esta especificidade do social, a dialéctica é um instrumento "merveilheusement commode" para reatar os factos, para pôr em evidência relações entre elementos anteriormente isolados.(24)
Assim, a dialéctica aprenderá a distinguir a multiplicidade dos elementos que compõem a vida colectiva, aprenderá a soltar todas as contradições e as antinomias cujas tensões, longe de serem uma ameaça para as relações sociais, são uma garantia da sua vitalidade e da sua liberdade, tendo em conta que elas encontrem o seu equilíbrio dinâmico.(25) Esta realidade social comporta dialécticas que são tão gerais que podemos tomá-las como permanentes. Em particular o trabalho está no caminho de modificações permanente: o trabalho não é organizado, "il s'organize"(26) .
Esta organização do trabalho realiza-se, em particular, através dos múltiplos contratos que os produtores decidem e executam entre eles. Por estes contratos, os particulares e as empresas comprometem-se em função dos seus interesses e em função dos constrangimentos económicos sem abandonar a sua iniciativa. Das múltiplas decisões recíprocas surge um direito económico, verdadeiro direito social que se opõe radicalmente ao direito político. Claro que este direito social está em devir, está longe de estar realizado no regime proprietário mas tende a formular-se através das múltiplas relações da produção e do comércio. É este direito que se realiza na associação operária e que virá a ser princípio fundamental e regulador na democracia mutualista.
Este conjunto de análises sobre o ser colectivo, sobre a força colectiva, inscreve-se numa linha intelectual que, de Saint-Simon e Marx e Durkheim, em particular, forja os princípios gerais da Sociologia. Com efeito, desde as suas primeiras obras, em que faz da propriedade uma relação social entre o capitalista e o produtor de valores, explicando a apropriação económica pela apropriação da força colectiva, Proudhon inaugurava com Saint-Simon uma nova ciência sustentada, não sobre a produção e a circulação das riquezas, mas sobre as relações sociais constituídas na produção e nas trocas.
Desta maneira não é surpreendente que Marx tenha retomado palavra por palavra algumas destas análises proudhonianas sobre a força colectiva ou sobre a questão do Estado. É descrevendo as gerais da "coopération" que Marx encontra, na obra O Capital, o raciocínio de Proudhon. O efeito da cooperação, quer dizer da reunião e da organização de numerosos operários, é de criar uma força colectiva. E, conforme à análise proudhoniana, a produção de valor correspondente a esta força não se realiza a não ser para o capitalista.(27)
Mais ainda; quaisquer que sejam as múltiplas diferenças em relação à análise das relações entre o Estado e a sociedade civil,(28) Marx encontra precisamente as conclusões de Proudhon e, particularmente, sobre o exemplo do Estado francês.(29) (30)
Proudhon havia incessantemente evocado esta dialéctica histórica entre as forças populares e o Estado paralisado.(31)
Quanto ao princípio geral de Proudhon relativo à realidade do social, poderemos encontrar a formulação, sob formas diversas, em todos os grandes teóricos da Sociologia. Durkheim fez dele um dos grandes princípios do espaço sociológico.(32)
Com toda a justiça Georges Gurvitch designava Proudhon, um dos fundadores da Sociologia(33). Para além dos princípios gerais sobre os quais se baseia, Proudhon traz-nos múltiplos elementos de reflexão aos diversos domínios da Sociologia - Sociologia do trabalho, das classes sociais, das religiões e das ideologias. Num domínio tão particular como é o da Sociologia do direito social, (34) Proudhon abriu uma direcção de pensamento em que a fecundidade está
Longe de estar hoje em dia esgotada.
"Sou um revolucionário e não um desordeiro."
Proudhon morreu há mais de 130 anos (1). Influente em quase todos os autores dos fins do século passado e dos começos do presente, Proudhon é mais citado que conhecido, no entanto é minha convicção que o conhecimento da sua obra é indispensável para quem se debruça sobre a evolução das ideias políticas, sociais, económicas e até filosóficas dos últimos tempos. Não é minha intenção proceder a uma análise completa da doutrina proudhoniana. O meu trabalho é bem mais limitado pois só interessa aqui e agora a sua dialéctica e o tipo de relações com o social. Proudhon recebeu de Marx e sobretudo do marxismo oficial uma condenação severa. Poder-se-ia dizer, que esteve no index em grande parte, devido à célebre obra de Marx: A Miséria da Filosofia (1847), que tem como subtítulo: Resposta à Filosofia da Miséria de Proudhon, e constitui uma crítica virulenta à importante obra de Proudhon: Sistema das Contradições Económicas (1846), que tem como Subtítulo : A Filosofia da Miséria. Marx acusa Proudhon de ser um pequeno burguês oscilando entre contradições inextricáveis e de nunca ter podido compreender o que é a dialéctica e a luta de classes. no Manifesto Comunista, publicado algumas semanas antes da Revolução de Fevereiro de 1848, o juízo de Marx sobre Proudhon torna-se ainda mais severo, Cataloga-o entre os socialistas burgueses e reaccionários. Estranho juízo este, se nos lembrarmos de que Proudhon foi o terror da burguesia francesa, a partir da sua eleição para a Assembleia Constituinte, a 8 de Junho de 1848, pelos operários de Paris.(2) Mas a posição de Marx em relação a Proudhon não foi sempre de crítica. Notemos que na sua juventude, após ter tido conhecimento da obra O que é a propriedade? (1840), Marx fala na "Rheinische Zeitung" de 16 de Outubro de 1842 "dos trabalhos tão penetrantes de Proudhon" e que, numa carta escrita na mesma época, se lhe refere considerando-o "o pensador mais notável do socialismo francês". Na Sagrada Família (obra colectiva escrita por Marx e Engels, 1844-45), Marx toma a defesa de Proudhon contra os seus críticos alemães, e chama-lhe o único proletário autêntico de todos os escritores socialistas. Diz Marx: "Proudhon não escreve só no interesse dos proletários, ele próprio é proletário, operário. A sua obra é uma manifesto científico do proletariado francês e tem assim uma grande importância histórica". Marx vai mais longe e também declara que: "Proudhon submete a base da economia nacional, a propriedade privada, a um primeiro exame sério, absoluto, ao mesmo tempo que científico. A obra de Proudhon: O que é a Propriedade? tem, para a economia nacional moderna, a mesma importância que a obra de Sieyés: O que é o Terceiro Estado? para a politica moderna."
Muito haveria a dizer sobre as relações de Marx e Proudhon, mas pensamos que não é o momento oportuno pois sairíamos do âmbito estrito do trabalho que é a questão da dialéctica.(3)
Opondo-se politicamente aos conservadores, aos liberais, aos republicanos e aos comunistas, Proudhon quer no entanto analisar as posições teóricas dos seus adversários (a teologia, a questão do Estado, a utopia) e opor um método de pensar que explique e torne verídicas as suas conclusões. Daí a importância declarada para Proudhon dum método intelectual que permita escapar às ciladas do dogmatismo. As suas conclusões não se compreendem a não ser referidas no quadro do seu pensamento: a dialéctica.(4)
Sabemos que Proudhon de 1840 a 1848 se lançou numa grande investigação onde foi ajudado por inúmeras leituras que foi fazendo. Sabemos que leu a Bíblia, Fourrier, Saint-Simon, Sismondi, Adam Smith, Ricardo, os economistas franceses mas também traduções ou fragmentos de Kant, Leibniz, Fichte, Feuerbach, Strauss, Hegel e outros.(5) O que temos no entanto que salientar é que se Proudhon lê todos estes autores não é para se submeter a uma escola, mas sempre para definir o seu próprio método, que no seu entender nem os teólogos, nem os intelectuais burgueses, nem os socialistas utópicos souberam construir.
Já em 1840 quando Proudhon escreve O que é a propriedade? possui um método intelectual preciso.
A sua teoria do conflito social impõe-se na sua experiência de operário onde Proudhon pôde viver todas as dificuldades do operário e do artesão face aos proprietários de capitais. Foi a partir desta experiência de trabalho que Proudhon teorizou a relação do capital e do trabalho. Nesta experiência, as fórmulas de Saint-Simon sobre a exploração do homem pelo homem no trabalho indicam a Proudhon a via na qual prossegue a análise do conflito socio económico.
A leitura de Kant forma um momento nesta evolução. Fora da teoria da moral na qual Proudhon voltará algumas vezes, a posição crítica e racionalista dos problemas vêm confirmar as sua intuições. Não esquecerá a lição kantiana não para por a questão clássica: O que é Deus? O que é a Propriedade ou o Estado? mas para perguntar: Donde vem a ideia de Deus? Como é gerada a propriedade? Como é que cremos nesse mito que é o Estado)(6)
A leitura de Kant obriga Proudhon a responder ao problema das categorias mentais, à questão de saber se a dialéctica é própria do espírito humano da razão, ou se ela é uma dimensão objectiva da realidade. Proudhon recusa uma tal alternativa entre o racionalismo e o empirismo e do mesmo modo a alternativa do espiritualismo e materialismo. Parece-lhe essencial reconhecer a objectividade do que ele chama "as série reais", quer dizer as divisões, distinções objectivas e ordenadas e por outro lado, as "Séries ideais", quer dizer os sistemas de relações que o espírito apreende do real, mas que não são somente reflexos da realidade. pelas séries ideias, o espírito inventa, reconstroi a realidade, pode combinar relações que não existem na realidade. (7)
Proudhon precisa que esta aquisição das "séries ideais", das categorias do entendimento e das estruturas lógicas, vêm da acção e particularmente do trabalho. É nesta acção que o homem experimenta as relações entre as coisas, corrige as suas ideias e inventa novas relações. A própria filosofia elaborou-se a partir do trabalho.(8)
Temendo livremente e de maneira pessoal a filosofia kantiana, Proudhon lê Feuerbach e Hegel com a mesma distância crítica. De Feuerbach, retém a ideia, essencial na sua análise, da alienação, mas transpondo-a a outros objectos e, em particular, à crítica do Estado. Se para Feuerbach, a alienação a analisar é a qual o homem atribui a Deus o que lhe pertence como coisas particular, para Proudhon pelo contrário, é na formação do Capital que se reproduz concretamente esta alienação. Para além disso, Proudhon desconfia do que ele chama "a metafísica de Feuerbach" o humanismo segundo o qual a humanidade seria o lugar do sagrado: desconfia desta filosofia reconstruir um novo "misticismo".(9) O ser humano traz consigo próprio e necessariamente, a contradição.(10)
A reflexão crítica sobre a obra de Hegel ocupa um lugar igualmente importante. é verdade que Proudhon não pôde ler a não ser traduções (visto não saber alemão) mas desde 1840 nota-se o seu interesse crítico pelo pensamento hegeliano, pela definição da dialéctica, pela tese que ele retomará, na sua própria versão, da identidade das categorias do real e das categorias do entendimento. Entretanto, desde as suas primeiras leituras Proudhon desconfia duma construção intelectual que lhe parece demasiado abstracta e que obedece apenas à sua própria lei.(11)
Hegel não fazia então obra de ciência, mas de filosofia. A distância é, com efeito, considerável entre a sua dialéctica e a do pensador francês. Proudhon não reduz somente este esquema trinitário a ser um caso possível das relações dialécticas e não se propõe nunca reduzir uma realidade humana a esta única dialéctica, mas, mais ainda, desenvolve contra a noção de "síntese", a mais viva crítica. Proudhon nega com efeito - e esta negação tem um grande significado para toda a sua concepção política - que toda a dialéctica se complete numa síntese. Nega que os termos em contradição encontrem necessariamente a sua ultrapassagem e a sua conclusão num novo sistema. pelo contrário, Proudhon desconfia desta síntese ser uma representação destruidora do movimento, e eventualmente ser, na realidade humana, o momento do poder, o momento da opressão onde um Estado pretende sintetizar os contrário quando nesse momento os destroi.(12)
Georges Gurvitch foi um dos principais comentadores de Proudhon e professor de Sociologia na Sorbonne que sublinhou o anti-hegelianismo de Proudhon.(13)
A dialéctica proudhoniana é também original e pouco dogmática. É um método intelectual procedendo por proposição e contra proposição como já Platão ensinava e prepara a conhecer as antinomias da realidade social (assim: monopólio e concorrência, em economia; autoridade e liberdade, nas relações sociais) a pensar menos os termos que as relações entre os termos, os seus conflitos e a sua transformação. Não se reduz a um modelo simples e sempre idêntico: deve ao contrário inventar modelos diversos de relações: antagónicos, conflituais, complementares, correspondentes à diversidade das antinomias reais.
A dialéctica não é somente um método de pensar, mas a característica própria das realidades sociais. Como o francês desenvolve longamente a análise socio-económica exposta no Sistema das Contradições Económicas, a realidade social é feita de múltiplas contradições cabendo à ciência social fazer o inventário. Algumas destas contradições são chamadas a revolverem-se num equilíbrio (o "valor constituído") outras devem pelo contrário subsistir pois participam no dinamismo económico (a antinomia do monopólio e da concorrência).(14) (15)
Este carácter dialéctico da realidade social vem responder, segundo Proudhon, ao problema da natureza das relações sociais que não são nem assimiláveis a uma realidade física (materialismo) nem redutíveis a sistemas lógicos (idealismo). Será uma das obsessões de Proudhon responder a esta questão, constituir uma teoria que ponha em evidência a especifidade do social em oposição aos outros objectos do pensar. É a teoria que Proudhon propõe chamar "ideo realismo" que no nosso entender é um termo infeliz pois é susceptível de causar mal entendidos.
As relações sociais são, por assim dizer, reais e ideais. A relação social é por sua vez uma realidade e uma lógica ou, como diz Proudhon uma "ideia". O que se quer dizer com isto é que as dialécticas sociais não são trocas intelectuais, mas que as relações sociais são incessantemente portadoras duma lógica interna que lhe é constitutiva. São bem, neste sentido, realidade "dialécticas". Esta especificidade do social tem múltiplas consequências. Compreender-se-à, por exemplo, que as representações, as crenças, as ideologias, jogam na história funções importantes e por mecanismos particulares.(16) (17)
Esta teoria dialéctica das relações sociais inclui uma concepção particular da sociedade. O acento é posto antes de tudo sobre a diversidade, sobre a pluralidade dos termos, dos sujeitos, dos grupos em presença. São as antinomias, os equilíbrios e as tensões entre os diversos elementos, que asseguram o movimento, os dinamismos, as inovações. Esta observação será fundamental nas proporções anarquistas e federalistas. Mais ainda, esta concepção fluída dos termos sociais que os torna necessários à vitalidade social, condena toda a representação autoritária, absolutista, governamental. Aos olhos de Proudhon, a concepção dialéctica do social, fazendo de todos os termos e das suas relações dinâmicas as causas reais da vida colectiva, condena as estruturas opressivas, assim como denuncia as alienações, e funda uma concepção igualitária.
Finalmente, falta dizer, que esta dialéctica não conduz, de modo algum, a uma redução do indivíduo, a uma negação da acção e da inovação individual. Proudhon, com efeito, resiste obstinadamente a toda a tentação de atribuir à sociedade uma nova transcendência que se opusesse às iniciativas individuais. Do mesmo modo que a pluralidade dos grupos participa na vitalidade do social, assim, também as liberdade individuais e, em certa medida, as tensões e os compromissos entre as pessoas participam do dinamismo social, tendo em conta que isto aconteça numa sociedade mutualista.
Não é para admirar que esta dialéctica, inspirada em certa medida na filosofia alemã, mas, na realidade, em desacordo com cada uma das suas origens, tenha sido mal recebida e mal compreendida. Alexandre Herzen, que, da Rússia, seguia com paixão a evolução do socialismo francês, escrevia em 1845, dando conta deste facto, ao receber o livro Da Criação da Ordem na Humanidade (18) fazendo de Proudhon um "pur hégelien" e ajuizando que Hegel "a façonné Proudhon à son image". É também a Hegel que Marx aproximava Proudhon, mas, ao contrário de Herzen, para concluir que Proudhon não tinha realmente compreendido a dialéctica hegeliana. Em 1865, lembrando-se das longas discussões parisienses, Marx atribuir-se-à o papel de professor em hegelianismo junto de Proudhon.(19)
Com efeito, Proudhon apesar do seu interesse por Hegel foi sempre obstinadamente rebelde à concepção hegeliana da dialéctica à qual critica, não somente a sua abstracção, mas também as suas conclusões políticas conservadoras. A síntese de Hegel, pretende ultrapassar a tese a antítese absorvendo-as é "governamental"; conduz à "prepotência do estado".(20)
É, ao contrário de Feuerbach que Karl Grün aproxima Proudhon até fazer dele o "Feuerbach francês". Grün fazia de Fourier o "Hegel francês". Mas, como vimos, se Proudhon se enriqueceu com a leitura de Feuerbach e de Hegel não deixou de seguir o seu próprio caminho.
Uma das dificuldades que podem encontrar os contemporâneos de Proudhon para compreender esta dialéctica deve-se ao facto do pensador francês designar uma realidade que não lhes era familiar. Esperaram que Proudhon tomasse partido sobre o problema da existência de Deus, que propusesse uma nova filosofia, ou ainda, que construísse uma nova teoria socialista. Ora, nenhum destes objectivos é o seu e se Proudhon se interroga sobre Deus e sobre a filosofia, é em função duma outra interrogação sustentada pelas realidade sociais.
A tese fundamental de Proudhon não é somente que as relações sociais são mais importantes que as estruturas políticas, mas que os acontecimentos e as mudanças sociais e, em primeiro lugar, as relações sociais do trabalho, têm a sua realidade e o seu dinamismo próprio. (21)
A sociedade não é uma abstracção, mas um ser colectivo que possui as suas características particulares. O facto de "la force collective"(22) vem claramente confirmar esta "realité" do social para além dos indivíduos que o compõem, pois, como o diz Proudhon mais de uma vez, só o facto do agrupamento, da organização das pessoas, engendra uma força própria.(23)
Para exprimir esta especificidade do social, a dialéctica é um instrumento "merveilheusement commode" para reatar os factos, para pôr em evidência relações entre elementos anteriormente isolados.(24)
Assim, a dialéctica aprenderá a distinguir a multiplicidade dos elementos que compõem a vida colectiva, aprenderá a soltar todas as contradições e as antinomias cujas tensões, longe de serem uma ameaça para as relações sociais, são uma garantia da sua vitalidade e da sua liberdade, tendo em conta que elas encontrem o seu equilíbrio dinâmico.(25) Esta realidade social comporta dialécticas que são tão gerais que podemos tomá-las como permanentes. Em particular o trabalho está no caminho de modificações permanente: o trabalho não é organizado, "il s'organize"(26) .
Esta organização do trabalho realiza-se, em particular, através dos múltiplos contratos que os produtores decidem e executam entre eles. Por estes contratos, os particulares e as empresas comprometem-se em função dos seus interesses e em função dos constrangimentos económicos sem abandonar a sua iniciativa. Das múltiplas decisões recíprocas surge um direito económico, verdadeiro direito social que se opõe radicalmente ao direito político. Claro que este direito social está em devir, está longe de estar realizado no regime proprietário mas tende a formular-se através das múltiplas relações da produção e do comércio. É este direito que se realiza na associação operária e que virá a ser princípio fundamental e regulador na democracia mutualista.
Este conjunto de análises sobre o ser colectivo, sobre a força colectiva, inscreve-se numa linha intelectual que, de Saint-Simon e Marx e Durkheim, em particular, forja os princípios gerais da Sociologia. Com efeito, desde as suas primeiras obras, em que faz da propriedade uma relação social entre o capitalista e o produtor de valores, explicando a apropriação económica pela apropriação da força colectiva, Proudhon inaugurava com Saint-Simon uma nova ciência sustentada, não sobre a produção e a circulação das riquezas, mas sobre as relações sociais constituídas na produção e nas trocas.
Desta maneira não é surpreendente que Marx tenha retomado palavra por palavra algumas destas análises proudhonianas sobre a força colectiva ou sobre a questão do Estado. É descrevendo as gerais da "coopération" que Marx encontra, na obra O Capital, o raciocínio de Proudhon. O efeito da cooperação, quer dizer da reunião e da organização de numerosos operários, é de criar uma força colectiva. E, conforme à análise proudhoniana, a produção de valor correspondente a esta força não se realiza a não ser para o capitalista.(27)
Mais ainda; quaisquer que sejam as múltiplas diferenças em relação à análise das relações entre o Estado e a sociedade civil,(28) Marx encontra precisamente as conclusões de Proudhon e, particularmente, sobre o exemplo do Estado francês.(29) (30)
Proudhon havia incessantemente evocado esta dialéctica histórica entre as forças populares e o Estado paralisado.(31)
Quanto ao princípio geral de Proudhon relativo à realidade do social, poderemos encontrar a formulação, sob formas diversas, em todos os grandes teóricos da Sociologia. Durkheim fez dele um dos grandes princípios do espaço sociológico.(32)
Com toda a justiça Georges Gurvitch designava Proudhon, um dos fundadores da Sociologia(33). Para além dos princípios gerais sobre os quais se baseia, Proudhon traz-nos múltiplos elementos de reflexão aos diversos domínios da Sociologia - Sociologia do trabalho, das classes sociais, das religiões e das ideologias. Num domínio tão particular como é o da Sociologia do direito social, (34) Proudhon abriu uma direcção de pensamento em que a fecundidade está
Longe de estar hoje em dia esgotada.
quinta-feira, dezembro 30, 2010
O homem mais perigoso da América – Daniel Ellsberg e os Documentos do Pentágono
Julian Assange é o novo "homem mais perigoso da América"
Os sindicatos têm razão*
Existe uma visão muito generalizada em amplos sectores políticos e mediáticos espanhóis (incluindo alguns de esquerda), que consideram que o nível de integração das economias dos países na economia mundial global é tal que a globalização económica é, na realidade, a que determina o que um país pode fazer ou deixar de fazer. Nesta visão, os estados devem submeter-se aos ditames dessa ordem económica globalizada, ao ponto de que o sistema democrático dentro de cada país desaparece e torna-se irrelevante. A última versão deste determinismo globalizador é a resposta da União Europeia e de Espanha ao ditame dos mercados financeiros. Sublinha-se nos maiores meios de informação que, em resposta às exigências destes mercados, não há outra alternativa que levar a cabo políticas impopulares (tais como as políticas de austeridade de despesa pública e social, e as desregulamentadoras do mercado de trabalho que facilitem o despedimento, entre outras) para tranquilizar os mercados e evitar assim que estes penalizem tais estados, dificultando o pagamento da dívida soberana e a obtenção de crédito.
* Obviamente que se está aqui a falar dos sindicatos de Espanha. Não passaria pela cabeça pensar que se estava a falar dos sindicatos portugueses.Essa até daria vontade de rir!!...
A militarização das fábricas da Coca-Cola na Colômbia
No dia 21 de Dezembro passado denunciámos que, com a autorização da Coca-Cola, membros da Polícia Nacional entraram violentamente nas instalações de engarrafamento em Medellín com tanques blindados, com escudos e armas, disparando gases químicos, com a finalidade de intimidar e pressionar os trabalhadores subcontratados que estavam em greve. O conflicto laboral foi militarizado e os trabalhadores obrigados a abandonar o protesto e a aceitar o compromisso verbal da multinacional de resolver o conflito. Simultaneamente foram notificados do despedimento. Desde esse momento, a polícia permanece dentro da fábrica da Coca-Cola, 24 horas por dia, aterrorizando os trabalhadores.
Espanha localiza 47.399 mortos da guerra civil
Foram localizadas em Andaluzia 614 valas comuns com 47.399 mortos na Guerra Civil Espanhola, segundo o jornal El País . Mais da metade delas - 350 - estavam nas regiões de Sevilha, Huelva e Cádiz e cerca de 80% das valas eram do ano de 1936.
Centenas de documentos, depoimentos de sobreviventes e familiares permitiram a localização dos corpos. Metade das vítimas enterradas em 359 povoados já foram identificadas. Cerca de 71% das valas foram encontrados em cemitérios ou em suas proximidades. Os dados levantados fazem parte do trabalho "Mapa de fosas de las víctimas de la Guerra Civil y la posguerra en Andalucía", realizado por associações memorialistas e universidades da região, em parceria com o Comisariado para la Memoria Histórica de Andalucía.
Centenas de documentos, depoimentos de sobreviventes e familiares permitiram a localização dos corpos. Metade das vítimas enterradas em 359 povoados já foram identificadas. Cerca de 71% das valas foram encontrados em cemitérios ou em suas proximidades. Os dados levantados fazem parte do trabalho "Mapa de fosas de las víctimas de la Guerra Civil y la posguerra en Andalucía", realizado por associações memorialistas e universidades da região, em parceria com o Comisariado para la Memoria Histórica de Andalucía.
quarta-feira, dezembro 29, 2010
O NEGRO E O VERMELHO
APOLOGIA DE PROUDHON
PREFÁCIO
Esta Apologia de Proudhon é dirigida ao público brasileiro, tanto mais que é editada exclusivamente no Brasil. (Seria, se este texto tivesse seguido o seu caminho previamente estipulado…) Era importante que o maior país de língua portuguesa tivesse acesso directamente a ensaios dedicados à maior cabeça pensante de língua francesa e o maior filósofo do século XIX, excluindo Hegel.
Proudhon é o homem que soube dar à permanência dos problemas, mais importância que à permanência dos escritos. Eis porque não se pode acabar com Proudhon. O substrato do seu pensamento – o anti autoritarismo, a autonomia, a soberania do direito – nunca pareceu tão actual. Eis porque os retornos periódicos a Proudhon inscrevem-se no interior duma espécie de evidência histórica, como o modo de filosofia emanente do mundo assalariado. Escritos em momentos distintos deste processo, estes textos encontram-se agora juntos pelo destino que possibilitou a sua edição. Fazem todos parte da obra Investigações Proudhonianas (I.P.) que na sua maior parte se encontra ainda inédita. Obra dividida em três partes: na primeira o Dialéctico, na segunda o Histórico e o Anti – Autoritário na terceira.
Esquecido mas sempre actual, P.-J. Proudhon permanece como um dos pilares fundamentais para uma integral compreensão do século XIX e uma via para uma reorganização da vida societária.
Toda a minha investigação foi realizada a partir de meados dos anos 80 e tem tido como objectivo principal mostrar as virtualidades e a actualidade sempre presente do proudhonismo não somente, enquanto sistema de ultrapassagem das soberanias, mas como princípio geral de organização da sociedade.
Verifica-se que os ensaios presentes são sintéticos embora densos nas suas implicações. Trata-se duma opção deliberada do autor, tendo em conta uma tradição próxima de nós, o repelir consciente e crítico por todas as formas de discurso sofístico e retórico.
Com este livro, a investigação acerca do proudhonismo não fica de modo algum concluída. Este conjunto de ensaios mais não são que um início, ou noutra perspectiva, um reinício. Esta investigação seguramente demorará a concluir, pelo menos o dobro do tempo que foi necessário para este ciclo, mas isso não é importante, desde que se realize.
O tempo é relativo às disponibilidades nele posto.
PREFÁCIO
Esta Apologia de Proudhon é dirigida ao público brasileiro, tanto mais que é editada exclusivamente no Brasil. (Seria, se este texto tivesse seguido o seu caminho previamente estipulado…) Era importante que o maior país de língua portuguesa tivesse acesso directamente a ensaios dedicados à maior cabeça pensante de língua francesa e o maior filósofo do século XIX, excluindo Hegel.
Proudhon é o homem que soube dar à permanência dos problemas, mais importância que à permanência dos escritos. Eis porque não se pode acabar com Proudhon. O substrato do seu pensamento – o anti autoritarismo, a autonomia, a soberania do direito – nunca pareceu tão actual. Eis porque os retornos periódicos a Proudhon inscrevem-se no interior duma espécie de evidência histórica, como o modo de filosofia emanente do mundo assalariado. Escritos em momentos distintos deste processo, estes textos encontram-se agora juntos pelo destino que possibilitou a sua edição. Fazem todos parte da obra Investigações Proudhonianas (I.P.) que na sua maior parte se encontra ainda inédita. Obra dividida em três partes: na primeira o Dialéctico, na segunda o Histórico e o Anti – Autoritário na terceira.
Esquecido mas sempre actual, P.-J. Proudhon permanece como um dos pilares fundamentais para uma integral compreensão do século XIX e uma via para uma reorganização da vida societária.
Toda a minha investigação foi realizada a partir de meados dos anos 80 e tem tido como objectivo principal mostrar as virtualidades e a actualidade sempre presente do proudhonismo não somente, enquanto sistema de ultrapassagem das soberanias, mas como princípio geral de organização da sociedade.
Verifica-se que os ensaios presentes são sintéticos embora densos nas suas implicações. Trata-se duma opção deliberada do autor, tendo em conta uma tradição próxima de nós, o repelir consciente e crítico por todas as formas de discurso sofístico e retórico.
Com este livro, a investigação acerca do proudhonismo não fica de modo algum concluída. Este conjunto de ensaios mais não são que um início, ou noutra perspectiva, um reinício. Esta investigação seguramente demorará a concluir, pelo menos o dobro do tempo que foi necessário para este ciclo, mas isso não é importante, desde que se realize.
O tempo é relativo às disponibilidades nele posto.
O furacão Obama fica só em brisa
Falta ainda quase um mês para que se cumpra o segundo aniversário da chegada de Barack Obama ao poder, mas o presidente estado-unidense já parece um fantasma que deambula desorientado pelos corredores da Casa Branca. O voo do “Superman Obama” foi muito curto, demasiado, ou talvez nem houve voo algum. Tentou decolar e fazer decolar o seu país e melhorar o mundo, mas não o conseguiu. A marca Obama já não vende. O “yes, we can” transformou-se rapidamente num “no, we can’t”.
Depois da dura derrota eleitoral que o Partido Democrata sofreu em Novembro, perdendo a sua maioria na Câmara de Representantes e mantendo-a por escassíssima margem no Senado, Obama parece ter acabado por atirar a toalha. Ignorando as correntes de esquerda e centro do seu partido, o presidente decidiu oferecer, uma vez mais, a sua outra face ao Partido Republicano.
Depois da dura derrota eleitoral que o Partido Democrata sofreu em Novembro, perdendo a sua maioria na Câmara de Representantes e mantendo-a por escassíssima margem no Senado, Obama parece ter acabado por atirar a toalha. Ignorando as correntes de esquerda e centro do seu partido, o presidente decidiu oferecer, uma vez mais, a sua outra face ao Partido Republicano.
Cavaco e a sensibilidade ao privado
Eis que Cavaco ameaça com o veto presidencial os cortes do Governo ao ensino privado e cooperativo. A questão não está na crítica aos cortes, apenas defensáveis dentro do modelo de ortodoxia financeira que recusa outras alternativas para combater a crise económica. O ponto reside no facto de Cavaco nunca se ter preocupado com as machadadas no Serviço Nacional de Saúde, nos transportes públicos, na escola pública, nas bolsas a estudantes… O candidato só se agita quando a sua “gente” é afectada. E Cavaco pensa muito mais nos negócios do que na qualidade de ensino ou nas crianças de origens sociais desfavorecidas que também estudam no ensino particular e cooperativo. Convém nunca nos esquecermos como floresceram as Universidades privadas quando ele foi primeiro-ministro, o surgimento dos turbo-professores e a intensa promiscuidade entre essas empresas da educação e o mundo da política que vai do PS ao CDS, já para não falar da ausência de fiscalização ao lixo científico e pedagógico por que se notabilizaram, com raras e honrosas excepções.
Carta aberta vinda da Gaza sitiada: Dois anos após o massacre, uma exigência de justiça
Gaza sitiada, Palestina — Nós os palestinos da Faixa Sitiada de Gaza, neste dia, dois anos após o ataque genocida de Israel às nossas famílias, nossas casas, estradas, fábricas e escolas, estamos a dizer: basta de inacção, chega de discussão, chega de esperar – este é o momento para responsabilizar Israel pelos seus crimes permanentes contra nós. Em 27 de Dezembro de 2008, Israel principiou um bombardeamento indiscriminado da Faixa de Gaza. O assalto perdurou durante 22 dias, matando 1417 palestinos, 352 dos quais crianças, segundo importantes Organizações de Direitos Humanos. Durante estarrecedoras 528 horas, as forças de ocupação de Israel lançaram a partir dos seus F15s e F16 fornecidos pelos EUA e dos seus tanques Merkava, munições internacionalmente proibidas de fósforo branco, além de bombardear e invadir o pequeno enclave costeiro palestino que é o lar de 1,5 milhão de pessoas, das quais 800 mil são crianças e mais de 80 por cento refugiados registados pela ONU. Cerca de 5300 estão permanentemente lesionados.
O NEGRO E O VERMELHO
Proudhon e a Ideia Federalista
Na confusão que se estabelece na metade do século XIX e que não cessou, um homem é perspicaz: é Proudhon. Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções constructivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro. Estas posições exprimem-se nos dois últimos livros que ele escreveu, e que são entre os chefes de obra: Do Príncipio Federativo (1863) e Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865). Antes de chegar às posições proudhonianas sobre a Europa, vamos recordar brevemente as grandes linhas da sua doutrina e o movimento do seu andamento, pois, assim que nós o chegarmos a ler, os seus pontos de vista formam um todo orgânico e articulado: não é possível, sob pena de o deformar gravemente, extrair um elemento sem indicar o quadro no qual ele se insere.
Proudhon – e nisso ele não se distingue fundamentalmente dos outros socialistas – situa-se à partida na linha da Revolução francesa. Ele não a censura de ter ficado inalcançada; essencialmente individualista e burguesa, não soube ir além da política. Aos republicanos que clamam: obtai pelo sufrágio universal e todo o resto nos será dado pelo acréscimo, Proudhon responde, às suas primeiras obras e muito antes de Marx: se vós não transformais o regime da propriedade não tereis nada a fazer e as vossas grandes palavras de liberdade, de igualdade e de fraternidade não serão mais que mensagens. Praticamente elas significarão: liberdade só para os privilegiados, desigualdades confirmadas pelo direito, e ódio entre as classes.
A grande originalidade de Proudhon é de ter ultrapassado este estado sem o renegar. Prosseguindo a sua reflexão sobre estes príncipios de 91-93, ele apercebe-se que não somente a Revolução não foi alcançada, mas que ela não foi realizada (ou, por outras palavras, que ela foi falseada desde o inicio). Se a Revolução não pode resolver o problema social é primeiramente porque ela resolveu mal o problema político. A ideia fundamental da Revolução é a dos direitos do homem: antigamente a salvaguarda das liberdades concretas por uma justiça concreta. Pelo contrário, o jacobinismo está contentado em proclamar uma série de príncipios (de outro modo contraditórias nelas mesmas já que os direitos do homem são universais e os do cidadão particularistas). Ele investiu a multidão de uma soberania ilusória para cada homem em particular e praticamente dictatorial quando ela se encontra consignada a um Estado centralizado. O jacobinismo abandona o indíviduo isolado face a um Estado oligárquico: em primeiro não deixa uma consolação verbal; em segundo dá um poder temível para a sua teoria mítica da “vontade geral”. Assim a democracia passiva não faz mais que justificar o antigo príncipio real, e reforça-o mesmo elevando-lhe todo o contrapeso. Ela afirma a separação dos poderes mas, contudo, mantem-nos na indivisão subordinando-os todos no legislativo. A conclusão lógica do jacobinismo é o autoritarismo, como se pôde ver com o Terror de Bonaparte. Ele não se agita nem com um primeiro passo. Atrás do edenismo democrático do seu tempo, Proudhon é o único a ter visto profilarem-se os totalitarismos contemporâneos.
Se se projecta primeiramente o sistema jacobino sobre o plano económico e social – onde se traduzem, em definitivo, os benefícios concretos entre os homens – apercebe-se que ele está condenado a oscilar entre dois extremos, igualmente prejudicial e por outro modo estranhamente semelhantes. Ou a democracia deixa o social for a da sua esfera e abandona a lei da selva, ou ela pretende também dirigir, e ela não pode fazê-lo legitimamente que proclamando a propriedade indivisa, como o poder, e abolindo toda a liberdade económica. Dum lado, é o liberalismo capitalista, do outro, o comunismo estadual. Entre os dois não saberia ter meio- termo eficaz, como não existe nenhum entre o indivíduo e o Estado. O jacobinismo parece livre à dialéctica do “tudo ou nada”.
Incapaz de instaurar o reino do direito ao interior das suas fronteiras, o Estado-Nação jacobino não pode à partida nos seus benefícios como os outros Estados. Ainda aqui - além de que os antigos soberanos que eram menos acessíveis à razão, à piedade ou ao egoísmo – esta indiferença divinizada do Estado está condenada a errar entre os dois extremos. De um equílibrio todo empírico, realizado momentaneamente entre os Estados-Nações, ao imperalismo de um entre eles, a passagem fez-se sem transição. Cada um, como indivíduo solitário, está fechado na couraça dos seus direitos absolutos e choca-se na mesma pretensão junto de todos os outros. É a razão pela qual os espíritos influenciados por esta filosofia sumária não podiam concender – nós tinhamo-lo visto – solução intermediária entre as soberanias absolutas, e um super-Estado europeu ao qual seriam simplesmente transferidos os atributos super-reais. Constantemente a mesma lei de dupla exaltação aplica-se impiedosamente: ou o todo do poder ou o nada da anarquia. De preferência nada, dizem as gentes de bom senso, do que o todo monstruoso em que somos ameaçados.
Este exposto sucinto dos grandes temas críticos do proudhonismo vai permitir-nos melhor compreender a sua posição – escandalosa para a quase – totalidade dos seus comtemporâneos e mesmo seus amigos – sobre a questão das nacionalidades. Proudhon reconhecendo-o mesmo, começa por aprovar a sufocação da sua época pelo príncipio das nacionalidades. Em 1848 ele confessa que ele era “frenético” e “farto” pelas ideias do dia: ele exagera de algum modo um pouco, mas é facto que ele foi também seduzido pela justa aparência – ou parcial – do famoso príncipio. Na mesma linha das suas ideias ele não vê porque é que se recusava aos povos o direito de dispôr deles próprios. Ele crê discernir na exaltação das nacionalidades o movimento pelo qual a Europa dinástica deixa lugar à Europa dos povos que ele chama de seus votos. Mas, como sempre, ele vai ver mais perto desempenharem-se as ideias todas feitas e a afectividade. Ele constacta primeiramente que a mesma noção de nacionalidade está cheia de contradicções e de obscuridades. É uma abstracção, “produto da política bem mais do que da natureza”. É bom afirmar que os povos vão dispor deles próprios mas isso pode significar coisas bem diferentes. O que é que representará, afinal de contas, esta pretendida conquista para o homem que sofre e que aflige? Será ele mais digno ou mais honroso porque servirá tal Estado antes que tal outro? Não. Apercebe-se bem disso em França.
De facto, Proudhon compreende-o cada vez mais claramente meditando sobre o insucesso de 48, o que se pode constituir por todos sob o nome de nacionalidades, são dos Estados centralizados e homogénios, às fronteiras rigidas, despóticas no interior, e imperialistas à volta. A França que deu este perigoso exemplo não ganhará nada em cercar-se de vizinhos semelhantes; é precisa a obstinação dos “patriotas” para não o ver. Mas, se a Europa devia lá ganhar, Proudhon seria o primeiro a inclinar-se, pois ele não ignora os perigos do estatuto: “…apesar dos tratados de Wesphalie, ele escreve, e dos de 1815, a Europa não está constituída; (…) ela procura a sua constituição. Os Estados nos quais ela se compõe, e que depois de 1815, começaram os seus príncipios constitucionais, não estão eles mesmos na provisória. A Alemanha procura a sua federação: mal para o mundo, se ela viesse a verter na rotina unitária! (…) A Áustria avança com precaução na sua via à vez imperial e federal; a Itália liquída a reunião das províncias; a Bélgica, no fim do seu parlamentarismo, almadiçoado clerical e liberal, e reencontra-se contra as suas velhas instituições comunais; a Rússia não faz mais que nascer para a liberdade e para a ordem; a Inglaterra parece encontrar-se bem, tanto mais que ela explora o mundo; mas mudai a sua condição económica, e ela cai na combustão. Quanto ao que é nosso, Franceses, mais avançados que os outros, nós estamos em plena dissolução. É admirável, depois disso, que tanto a Húngria como a Polónia, tanto a Itália como Holstein, tanto a questão do Oriente como a do Papa, tanto uma revolução de Julho como uma revolução de Fevereiro, veêm fazer tremer o mundo (89)?”
Multiplicar as nacionalidades não é constituir a Europa. Não é só destruir um equílibrio precário, imperfeito, mas ao menos real. É a Europa a ferro e sangue, o direito das gentes injuriadas pelo direito nacional. É a instalação, no lugar dos antigos soberanos, de oligarquias feudais como na Polónia ou na Húngria, políticos como em Itália: militar fanfarrão ou de Robespierre no poder este tal Mazzini, que ele chama singularmente: “Os Mefistófeles da democracia”. Destruiremos estas nuvens metafísicas, este delírio racional que, sob pretexto do progresso, instala por todo o lado a pior reacção ou uma confusão ainda mais perigosa.
No imediato, Proudhon estima portanto que as nacionalidades são antes uma regressão que um progresso, relativamente ao tratado de 1815. Estes aqui eram, certamente, bem insuficientes. O que Proudhon lhe censura, não é tanto o seu desânimo arbitrário (o qual tinha ao menos a vantagem de fazer coabitar grupos étnicos e linguísticos muito diferentes) o seu carácter sumariamente conservador. Mas enfim, tal como eles são, têm o mérito de existir e de realizar um certo equílibrio jurídico entre os Estados, delinear de uma lei europeia. Eles constituem um mal menor ao abrigo do qual se pode operar na paz. Não lhe convêm portanto abandonar pela aventura mas de os reforçar, de os aperfeiçoar e, se se puder, de o substituir progressivamente, primeiro um equílibrio menos estadual depois uma ordem verdadeiramente revolucionária: a federação europeia.
A oposição ao movimento das nacionalidades não é evidentemente a última meta do pensamento de Proudhon. Se ele os combate, é pelo nome do príncipio superior. Sem dúvida as nacionalidades são o grande perigo do movimento: elas levam infalivelmente à guerra; elas julgam as liberdades pessoais que começavam justamente a ser reconhecidas, adiando a Revolução social sem dia, reforçando os poderes dictatoriais dos Estados, instaurando o reino da logomaquia e o dos partidos. Mas os tratados de 1815 não tinham as virtudes inversas: não são mais que os parapeitos. Como estabelecer a paz, a soberania do direito, a liberdade e a justiça? Pelo federalismo, responde Proudhon. O que é que há a dizer?
Tínhamos visto que ele reconhecia uma parte de verdade no prejudicial príncipio das nacionalidades: é o direito para as pessoas e os grupos se governarem a eles próprios. O direito que se baptizava vagamente “dos povos” era uma criatura má. A aspiração do auto-governo é, de todas estas reivindicações, a única que tinha um conteúdo real. Os Estados unitários são incapazes de o satisfazer. O homem só se pode realizar nas comunidades à sua escala, a comuna e o atelier. Certamente, não é suficiente que elas sejam pequenas; antes de tudo, elas devem ser baseadas sobre o direito e não sobre o número. Entretanto a sua dimensão está longe de ser indiferente à realização deste voto essencial. Para o anonimato que lá reina, as vastas sociedades são máquinas, condenadas como tais à incapacidade e ao autoritarismo. A liberdade e a justiça não têm oportunidades de serem satisfeitas lá onde o homem conhecia o homem, onde os problemas se colocam realmente em termos de experiência quotidiana. Reencontramo-nos sempre no cuidado do concreto, da diferenciação, face às abstracções totalizantes. O verdadeiro Estado, diz mais ou menos Proudhon, é a comuna; a verdadeira nação é a província.
Será preciso renunciar portanto a organizar as sociedades mais vastas e o último significado do federalismo seria o retorno a uma espécie de federalismo? Nunca. O isolamento, diz Proudhon, não é, mais que a uniformização, a lei das sociedades. E, como ele tinha reconhecido um aspecto verídico do problema das nacionalidades, exalta uma unidade verdadeira, necessária e produtiva. Esta unidade não somente o federalismo a impede, mas favorece-a. As sociedades primárias não sendo mais arregimentadas num conjunto rígido vão concluir entre elas as alianças orgânicas (foedera) em vista da sua defesa, do seu enriquecimento, da sua manifestação material, cultural, moral. As células sociais devedoras vivas vão-se agrupar – pois é a lei da vida – para formar “sistemas” flexíveis, complexos, feito de dependências múltiplas e de serviços recíprocos. Elas eram ajustadas uma vez por todas como os maquinismos de uma máquina; a unidade que os lia era em sentido único e elas viam-se condenadas a repetir eternamente os mesmos gestos de assentimento. Eis que elas podem “jogar” livremente e tornarem tudo possível. Tudo, compreende-se os conflitos certamente: Proudhon teria dito sobretudo os conflitos, pois estes são os Estados unitários que ignoram os conflitos para os reduzir aos choques. Mas existe ainda o máximo de hipóteses para que estes conflitos não sejam sangrentos e sobretudo para que eles sejam limitados. Pode-se legitimamente pensar que eles resultarão, em definitivo, por um acordo, uma evolução, um movimento em frente, enquanto o equílibrio era gerador de conservador. O federalismo não é a paz perpétua, é a guerra sublimada.
Então a Europa é possível, porque ela é somente desejável. O federalismo proudhoniano permite evitar a contradição na qual tínhamos visto perder-se todos os democratas sinceramente europeus. Ou antes, ele tira partido desta mesma contradição. Só ele lhe dá um sentido a todos estes esforços que nós tinhamos visto deplorar-se há cinco séculos para realizar enfim uma Europa organicamente unida. O federalismo torna possível a laicização dos concílios que convinham a Dubois, Crucé ou o abade de Saint-Pierre; ele dá uma chave deste poder igual entre os Estados no qual Sully via ainda que, sem ela, a Europa estaria à mercê de todas as aventuras; ela é a promoção da Europa dos povos que entreviam Saint-Simon; ele é sobretudo a Europa do direito onde Kant saudava prematuramente o nascimento. O federalismo não evita o Charybde das soberanias para cair na Scylla so super-Estado, ou reciprocamente. E Proudhon só tem sarcasmos para o “europaísmo” que lhe parece, num sentido, o pior dos perigos; “Ele foi falado montes de vezes, entre os democratas de França, de uma confederação europeia, noutros termos dos Estados Unidos da Europa. Sob esta designação, nunca parece ter cumprido outra coisa que uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes actualmente na Europa, sob a presidência permanente de um Congresso. Ele é sob-entendido que cada Estado conservaria a forma de governamento que lhe conviria melhor. Ora, cada Estado dispondo no Congresso de um número de voz proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrariam-se em breve, nesta Confederação pretendida, enfeudado nos grandes, além disso, era possível que esta nova Santa-Aliança podia ser animada num principio de evolução colectiva, veria-se prontamente a degenerar, antes uma conflagração interior, num poder único, ou grande monarquia europeia” (90).
A condição da Europa federada, segundo Proudhon, é que os federadores sejam eles mesmos federalistas. Antigamente diz-se que os elementos constituintes (nos dois sentidos do termo) sejam desde já constituídos em federações. Pois não se saberia perseguir a vez dos objectivos contradictórios; não se saberia empregar meios que fazem obstáculo ao fim que se persegue. A Europa será uma federação de federações ou ela não será. “A Europa seria ainda demasiado grande, escreve ele, para uma confederação única: ela não poderia formar mais que uma confederação de confederações” (91).
Sendo dado o Estado actual das coisas, um conjunto tão complexo não pode portanto constituir-se que por uma autêntica “revolução”, um transtorno total das estruturas e sobretudo uma mudança completa das mentalidades e dos ideais. No pequeno catecismo político que segue o Quarto Estudo da sua grande obra Da Justiça na Revolução e na Igreja, Proudhon formula este resumido significado: “P. Que pensais vós do equilibrio europeu? R. Pensamento glorioso de Henrique IV no qual a Revolução pode dar a única verdadeira fórmula. É o federalismo universal, garantia suprema de toda a liberdade e de todo o direito, e que deve, sem soldados nem padres, substituir a sociedade cristã e feudal”. E, mais longe, ele resume todo o seu pensamento de forma lapidária: “O federalismo é a forma política da humanidade”.
Esta revolução tem oportunidades de se produzir? Sobre este ponto Proudhon é bastante pessimista, pois a força das suas convicções não impedem a clarividência do seu olhar. Ele vê primeiro as nacionalidades a endurecerem-se, ir até ao fim dos seus principios, para chegar enfim, cada vez mais depressa sobre esta via de morte, à ditadura total e à guerra total. Existe uma tristeza proudhoniana, mas não este prazer catastrófico que se vê junto de alguns, um Marx por exemplo. Proudhon espera, a favor e contra tudo; ele quer, ele age, ele cria à sua volta, e se ele precisa no deserto, vai-se à ruína. Quantos soam estranhamente, e dolorosamente, hoje em dia aos nossos ouvidos, esta solene advertência de Proudhon: “O século XX abrirá a era das federações, ou a humanidade recomeçara num purgatório com mil anos (92) ”. Estaremos nós já lá?
Sabendo o que nós sabemos é necessário precisar que Proudhon não entendeu? É preciso dizer, mesmo, que de todas as ideias, estas são os seus pontos de vista europeus que tiveram o meio eco. Elas chocariam pelos muitos preconceitos ambientes e lisonjeando algum. Elas não substituiam nada de conhecido. Alguns destes fiéis discípulos são separados dele, precisamente a propósito destas questões. O movimento operário, que seguiu muito largamente Proudhon até à Comuna, era o mais seguido em matéria europeia nos antipodas do seu pensamento: patrioteiro, e portanto partidário da unificação dos países mais perigosos para a França; pacifista, e entretanto pronto a fazer a guerra para o principio das nacionalidades. Do mesmo modo dizer que a audiência de Proudhon foi finalmente limitada; pois aqueles que não cumpriam sobre estes pontos essenciais, compreenderam-nos mal.
Antes da sua morte, um punhado de fiéis mantêm corajosamente o pensamento integral do mestre. Mas eles foram baleados pelas prescições de 71, pela instalação definitiva da democracia jacobina na Europa e a subida do marxismo que se seguiu. O pensamento proudhoniano está então refugiado no seio desta federação jurassiana, de tendência anarquista, que tinha deixado a Internacional inteiramente submissa às operações doutrinais e tácticas de Marx. Desta pequena cidade de Chaux-de-Fonds, na Jura suíço, tão profundamente impregnada de tradições federalistas, parece que o proudhonismo tinha irradiado sobre alguns movimentos pacifistas tendo o seu centro em Genebra. Não é sem surpresa, efectivamente, que se reencontra, perto de 1880, o jornal Os Estados Unidos da Europa fundado pelo santo-simoniano Charles Lemonnier e que tinha sido outrora a voz mais pálida “Liga da Paz e da Liberdade” (desonrada por Proudhon e, igualmente, por Marx que o chamava: “o saco à venda em Genebra”), reclamar das ideias proudhonianas. Os jurassistas deverão passar para lá e também Bakounine, que tinha aderido à liga em 1867.
As tendências mutualistas, cooperativas, federalistas, do movimento operário francês que ficaram bem vivas até perto de 1900 não parecem estar muito preocupadas com a Europa. Do mesmo modo, mas numa medida medíocre, o ”retorno a Proudhon”, que é produto de França a partir de 1911 e não atingiu por outro lado milhões bem restritos. Alguns juristas de grande valor, teóricos do federalismo e do internacionalismo, têm todavia participado neste movimento. É antes de mais nos outros países que é necessário procurar uma sobrevivência de Proudhon. O anarquismo italiano e espanhol, os regionalismos basco e catalão, o saber e o não saber, são tendências proudhonianas ainda que com uma nuance particular que não estava no pensamento de Proudhon. É preciso esperar por uma época toda ela recente para reencontrar uma influência, ainda difusa, neste momento, do autor do Príncipio Federativo sobre o movimento europeu.
Na confusão que se estabelece na metade do século XIX e que não cessou, um homem é perspicaz: é Proudhon. Enquanto se misturam num caos verdadeiramente romântico as sobrevivências, sonhadoras ou cínicas, e as antecipações loucas, os sentimentos generosos e os interesses sórdidos, as pretensões científicas e o dogmatismo furioso, o nacionalismo e o pacifismo, o autoritarismo e o democraticismo, Proudhon está praticamente só quando se esforça para trazer ao “mal do século” as soluções constructivas. Ele não é um sortudo- será preciso dizê-lo?- algum dia; através das sucessivas aproximações, dos repetidos ajustamentos, dos excessos e dos atrasos, das tentativas seguidas de bruscas cintilações, este espírito genial e obstinado chegará somente contra o fim da sua vida a um conjunto de proposições coerentes que constituem uma resposta ao problema político-social em geral e ao da Europa em particular; pois, com razão, Proudhon não os separa um do outro. Estas posições exprimem-se nos dois últimos livros que ele escreveu, e que são entre os chefes de obra: Do Príncipio Federativo (1863) e Da Capacidade Política das Classes Operárias (1865). Antes de chegar às posições proudhonianas sobre a Europa, vamos recordar brevemente as grandes linhas da sua doutrina e o movimento do seu andamento, pois, assim que nós o chegarmos a ler, os seus pontos de vista formam um todo orgânico e articulado: não é possível, sob pena de o deformar gravemente, extrair um elemento sem indicar o quadro no qual ele se insere.
Proudhon – e nisso ele não se distingue fundamentalmente dos outros socialistas – situa-se à partida na linha da Revolução francesa. Ele não a censura de ter ficado inalcançada; essencialmente individualista e burguesa, não soube ir além da política. Aos republicanos que clamam: obtai pelo sufrágio universal e todo o resto nos será dado pelo acréscimo, Proudhon responde, às suas primeiras obras e muito antes de Marx: se vós não transformais o regime da propriedade não tereis nada a fazer e as vossas grandes palavras de liberdade, de igualdade e de fraternidade não serão mais que mensagens. Praticamente elas significarão: liberdade só para os privilegiados, desigualdades confirmadas pelo direito, e ódio entre as classes.
A grande originalidade de Proudhon é de ter ultrapassado este estado sem o renegar. Prosseguindo a sua reflexão sobre estes príncipios de 91-93, ele apercebe-se que não somente a Revolução não foi alcançada, mas que ela não foi realizada (ou, por outras palavras, que ela foi falseada desde o inicio). Se a Revolução não pode resolver o problema social é primeiramente porque ela resolveu mal o problema político. A ideia fundamental da Revolução é a dos direitos do homem: antigamente a salvaguarda das liberdades concretas por uma justiça concreta. Pelo contrário, o jacobinismo está contentado em proclamar uma série de príncipios (de outro modo contraditórias nelas mesmas já que os direitos do homem são universais e os do cidadão particularistas). Ele investiu a multidão de uma soberania ilusória para cada homem em particular e praticamente dictatorial quando ela se encontra consignada a um Estado centralizado. O jacobinismo abandona o indíviduo isolado face a um Estado oligárquico: em primeiro não deixa uma consolação verbal; em segundo dá um poder temível para a sua teoria mítica da “vontade geral”. Assim a democracia passiva não faz mais que justificar o antigo príncipio real, e reforça-o mesmo elevando-lhe todo o contrapeso. Ela afirma a separação dos poderes mas, contudo, mantem-nos na indivisão subordinando-os todos no legislativo. A conclusão lógica do jacobinismo é o autoritarismo, como se pôde ver com o Terror de Bonaparte. Ele não se agita nem com um primeiro passo. Atrás do edenismo democrático do seu tempo, Proudhon é o único a ter visto profilarem-se os totalitarismos contemporâneos.
Se se projecta primeiramente o sistema jacobino sobre o plano económico e social – onde se traduzem, em definitivo, os benefícios concretos entre os homens – apercebe-se que ele está condenado a oscilar entre dois extremos, igualmente prejudicial e por outro modo estranhamente semelhantes. Ou a democracia deixa o social for a da sua esfera e abandona a lei da selva, ou ela pretende também dirigir, e ela não pode fazê-lo legitimamente que proclamando a propriedade indivisa, como o poder, e abolindo toda a liberdade económica. Dum lado, é o liberalismo capitalista, do outro, o comunismo estadual. Entre os dois não saberia ter meio- termo eficaz, como não existe nenhum entre o indivíduo e o Estado. O jacobinismo parece livre à dialéctica do “tudo ou nada”.
Incapaz de instaurar o reino do direito ao interior das suas fronteiras, o Estado-Nação jacobino não pode à partida nos seus benefícios como os outros Estados. Ainda aqui - além de que os antigos soberanos que eram menos acessíveis à razão, à piedade ou ao egoísmo – esta indiferença divinizada do Estado está condenada a errar entre os dois extremos. De um equílibrio todo empírico, realizado momentaneamente entre os Estados-Nações, ao imperalismo de um entre eles, a passagem fez-se sem transição. Cada um, como indivíduo solitário, está fechado na couraça dos seus direitos absolutos e choca-se na mesma pretensão junto de todos os outros. É a razão pela qual os espíritos influenciados por esta filosofia sumária não podiam concender – nós tinhamo-lo visto – solução intermediária entre as soberanias absolutas, e um super-Estado europeu ao qual seriam simplesmente transferidos os atributos super-reais. Constantemente a mesma lei de dupla exaltação aplica-se impiedosamente: ou o todo do poder ou o nada da anarquia. De preferência nada, dizem as gentes de bom senso, do que o todo monstruoso em que somos ameaçados.
Este exposto sucinto dos grandes temas críticos do proudhonismo vai permitir-nos melhor compreender a sua posição – escandalosa para a quase – totalidade dos seus comtemporâneos e mesmo seus amigos – sobre a questão das nacionalidades. Proudhon reconhecendo-o mesmo, começa por aprovar a sufocação da sua época pelo príncipio das nacionalidades. Em 1848 ele confessa que ele era “frenético” e “farto” pelas ideias do dia: ele exagera de algum modo um pouco, mas é facto que ele foi também seduzido pela justa aparência – ou parcial – do famoso príncipio. Na mesma linha das suas ideias ele não vê porque é que se recusava aos povos o direito de dispôr deles próprios. Ele crê discernir na exaltação das nacionalidades o movimento pelo qual a Europa dinástica deixa lugar à Europa dos povos que ele chama de seus votos. Mas, como sempre, ele vai ver mais perto desempenharem-se as ideias todas feitas e a afectividade. Ele constacta primeiramente que a mesma noção de nacionalidade está cheia de contradicções e de obscuridades. É uma abstracção, “produto da política bem mais do que da natureza”. É bom afirmar que os povos vão dispor deles próprios mas isso pode significar coisas bem diferentes. O que é que representará, afinal de contas, esta pretendida conquista para o homem que sofre e que aflige? Será ele mais digno ou mais honroso porque servirá tal Estado antes que tal outro? Não. Apercebe-se bem disso em França.
De facto, Proudhon compreende-o cada vez mais claramente meditando sobre o insucesso de 48, o que se pode constituir por todos sob o nome de nacionalidades, são dos Estados centralizados e homogénios, às fronteiras rigidas, despóticas no interior, e imperialistas à volta. A França que deu este perigoso exemplo não ganhará nada em cercar-se de vizinhos semelhantes; é precisa a obstinação dos “patriotas” para não o ver. Mas, se a Europa devia lá ganhar, Proudhon seria o primeiro a inclinar-se, pois ele não ignora os perigos do estatuto: “…apesar dos tratados de Wesphalie, ele escreve, e dos de 1815, a Europa não está constituída; (…) ela procura a sua constituição. Os Estados nos quais ela se compõe, e que depois de 1815, começaram os seus príncipios constitucionais, não estão eles mesmos na provisória. A Alemanha procura a sua federação: mal para o mundo, se ela viesse a verter na rotina unitária! (…) A Áustria avança com precaução na sua via à vez imperial e federal; a Itália liquída a reunião das províncias; a Bélgica, no fim do seu parlamentarismo, almadiçoado clerical e liberal, e reencontra-se contra as suas velhas instituições comunais; a Rússia não faz mais que nascer para a liberdade e para a ordem; a Inglaterra parece encontrar-se bem, tanto mais que ela explora o mundo; mas mudai a sua condição económica, e ela cai na combustão. Quanto ao que é nosso, Franceses, mais avançados que os outros, nós estamos em plena dissolução. É admirável, depois disso, que tanto a Húngria como a Polónia, tanto a Itália como Holstein, tanto a questão do Oriente como a do Papa, tanto uma revolução de Julho como uma revolução de Fevereiro, veêm fazer tremer o mundo (89)?”
Multiplicar as nacionalidades não é constituir a Europa. Não é só destruir um equílibrio precário, imperfeito, mas ao menos real. É a Europa a ferro e sangue, o direito das gentes injuriadas pelo direito nacional. É a instalação, no lugar dos antigos soberanos, de oligarquias feudais como na Polónia ou na Húngria, políticos como em Itália: militar fanfarrão ou de Robespierre no poder este tal Mazzini, que ele chama singularmente: “Os Mefistófeles da democracia”. Destruiremos estas nuvens metafísicas, este delírio racional que, sob pretexto do progresso, instala por todo o lado a pior reacção ou uma confusão ainda mais perigosa.
No imediato, Proudhon estima portanto que as nacionalidades são antes uma regressão que um progresso, relativamente ao tratado de 1815. Estes aqui eram, certamente, bem insuficientes. O que Proudhon lhe censura, não é tanto o seu desânimo arbitrário (o qual tinha ao menos a vantagem de fazer coabitar grupos étnicos e linguísticos muito diferentes) o seu carácter sumariamente conservador. Mas enfim, tal como eles são, têm o mérito de existir e de realizar um certo equílibrio jurídico entre os Estados, delinear de uma lei europeia. Eles constituem um mal menor ao abrigo do qual se pode operar na paz. Não lhe convêm portanto abandonar pela aventura mas de os reforçar, de os aperfeiçoar e, se se puder, de o substituir progressivamente, primeiro um equílibrio menos estadual depois uma ordem verdadeiramente revolucionária: a federação europeia.
A oposição ao movimento das nacionalidades não é evidentemente a última meta do pensamento de Proudhon. Se ele os combate, é pelo nome do príncipio superior. Sem dúvida as nacionalidades são o grande perigo do movimento: elas levam infalivelmente à guerra; elas julgam as liberdades pessoais que começavam justamente a ser reconhecidas, adiando a Revolução social sem dia, reforçando os poderes dictatoriais dos Estados, instaurando o reino da logomaquia e o dos partidos. Mas os tratados de 1815 não tinham as virtudes inversas: não são mais que os parapeitos. Como estabelecer a paz, a soberania do direito, a liberdade e a justiça? Pelo federalismo, responde Proudhon. O que é que há a dizer?
Tínhamos visto que ele reconhecia uma parte de verdade no prejudicial príncipio das nacionalidades: é o direito para as pessoas e os grupos se governarem a eles próprios. O direito que se baptizava vagamente “dos povos” era uma criatura má. A aspiração do auto-governo é, de todas estas reivindicações, a única que tinha um conteúdo real. Os Estados unitários são incapazes de o satisfazer. O homem só se pode realizar nas comunidades à sua escala, a comuna e o atelier. Certamente, não é suficiente que elas sejam pequenas; antes de tudo, elas devem ser baseadas sobre o direito e não sobre o número. Entretanto a sua dimensão está longe de ser indiferente à realização deste voto essencial. Para o anonimato que lá reina, as vastas sociedades são máquinas, condenadas como tais à incapacidade e ao autoritarismo. A liberdade e a justiça não têm oportunidades de serem satisfeitas lá onde o homem conhecia o homem, onde os problemas se colocam realmente em termos de experiência quotidiana. Reencontramo-nos sempre no cuidado do concreto, da diferenciação, face às abstracções totalizantes. O verdadeiro Estado, diz mais ou menos Proudhon, é a comuna; a verdadeira nação é a província.
Será preciso renunciar portanto a organizar as sociedades mais vastas e o último significado do federalismo seria o retorno a uma espécie de federalismo? Nunca. O isolamento, diz Proudhon, não é, mais que a uniformização, a lei das sociedades. E, como ele tinha reconhecido um aspecto verídico do problema das nacionalidades, exalta uma unidade verdadeira, necessária e produtiva. Esta unidade não somente o federalismo a impede, mas favorece-a. As sociedades primárias não sendo mais arregimentadas num conjunto rígido vão concluir entre elas as alianças orgânicas (foedera) em vista da sua defesa, do seu enriquecimento, da sua manifestação material, cultural, moral. As células sociais devedoras vivas vão-se agrupar – pois é a lei da vida – para formar “sistemas” flexíveis, complexos, feito de dependências múltiplas e de serviços recíprocos. Elas eram ajustadas uma vez por todas como os maquinismos de uma máquina; a unidade que os lia era em sentido único e elas viam-se condenadas a repetir eternamente os mesmos gestos de assentimento. Eis que elas podem “jogar” livremente e tornarem tudo possível. Tudo, compreende-se os conflitos certamente: Proudhon teria dito sobretudo os conflitos, pois estes são os Estados unitários que ignoram os conflitos para os reduzir aos choques. Mas existe ainda o máximo de hipóteses para que estes conflitos não sejam sangrentos e sobretudo para que eles sejam limitados. Pode-se legitimamente pensar que eles resultarão, em definitivo, por um acordo, uma evolução, um movimento em frente, enquanto o equílibrio era gerador de conservador. O federalismo não é a paz perpétua, é a guerra sublimada.
Então a Europa é possível, porque ela é somente desejável. O federalismo proudhoniano permite evitar a contradição na qual tínhamos visto perder-se todos os democratas sinceramente europeus. Ou antes, ele tira partido desta mesma contradição. Só ele lhe dá um sentido a todos estes esforços que nós tinhamos visto deplorar-se há cinco séculos para realizar enfim uma Europa organicamente unida. O federalismo torna possível a laicização dos concílios que convinham a Dubois, Crucé ou o abade de Saint-Pierre; ele dá uma chave deste poder igual entre os Estados no qual Sully via ainda que, sem ela, a Europa estaria à mercê de todas as aventuras; ela é a promoção da Europa dos povos que entreviam Saint-Simon; ele é sobretudo a Europa do direito onde Kant saudava prematuramente o nascimento. O federalismo não evita o Charybde das soberanias para cair na Scylla so super-Estado, ou reciprocamente. E Proudhon só tem sarcasmos para o “europaísmo” que lhe parece, num sentido, o pior dos perigos; “Ele foi falado montes de vezes, entre os democratas de França, de uma confederação europeia, noutros termos dos Estados Unidos da Europa. Sob esta designação, nunca parece ter cumprido outra coisa que uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes actualmente na Europa, sob a presidência permanente de um Congresso. Ele é sob-entendido que cada Estado conservaria a forma de governamento que lhe conviria melhor. Ora, cada Estado dispondo no Congresso de um número de voz proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrariam-se em breve, nesta Confederação pretendida, enfeudado nos grandes, além disso, era possível que esta nova Santa-Aliança podia ser animada num principio de evolução colectiva, veria-se prontamente a degenerar, antes uma conflagração interior, num poder único, ou grande monarquia europeia” (90).
A condição da Europa federada, segundo Proudhon, é que os federadores sejam eles mesmos federalistas. Antigamente diz-se que os elementos constituintes (nos dois sentidos do termo) sejam desde já constituídos em federações. Pois não se saberia perseguir a vez dos objectivos contradictórios; não se saberia empregar meios que fazem obstáculo ao fim que se persegue. A Europa será uma federação de federações ou ela não será. “A Europa seria ainda demasiado grande, escreve ele, para uma confederação única: ela não poderia formar mais que uma confederação de confederações” (91).
Sendo dado o Estado actual das coisas, um conjunto tão complexo não pode portanto constituir-se que por uma autêntica “revolução”, um transtorno total das estruturas e sobretudo uma mudança completa das mentalidades e dos ideais. No pequeno catecismo político que segue o Quarto Estudo da sua grande obra Da Justiça na Revolução e na Igreja, Proudhon formula este resumido significado: “P. Que pensais vós do equilibrio europeu? R. Pensamento glorioso de Henrique IV no qual a Revolução pode dar a única verdadeira fórmula. É o federalismo universal, garantia suprema de toda a liberdade e de todo o direito, e que deve, sem soldados nem padres, substituir a sociedade cristã e feudal”. E, mais longe, ele resume todo o seu pensamento de forma lapidária: “O federalismo é a forma política da humanidade”.
Esta revolução tem oportunidades de se produzir? Sobre este ponto Proudhon é bastante pessimista, pois a força das suas convicções não impedem a clarividência do seu olhar. Ele vê primeiro as nacionalidades a endurecerem-se, ir até ao fim dos seus principios, para chegar enfim, cada vez mais depressa sobre esta via de morte, à ditadura total e à guerra total. Existe uma tristeza proudhoniana, mas não este prazer catastrófico que se vê junto de alguns, um Marx por exemplo. Proudhon espera, a favor e contra tudo; ele quer, ele age, ele cria à sua volta, e se ele precisa no deserto, vai-se à ruína. Quantos soam estranhamente, e dolorosamente, hoje em dia aos nossos ouvidos, esta solene advertência de Proudhon: “O século XX abrirá a era das federações, ou a humanidade recomeçara num purgatório com mil anos (92) ”. Estaremos nós já lá?
Sabendo o que nós sabemos é necessário precisar que Proudhon não entendeu? É preciso dizer, mesmo, que de todas as ideias, estas são os seus pontos de vista europeus que tiveram o meio eco. Elas chocariam pelos muitos preconceitos ambientes e lisonjeando algum. Elas não substituiam nada de conhecido. Alguns destes fiéis discípulos são separados dele, precisamente a propósito destas questões. O movimento operário, que seguiu muito largamente Proudhon até à Comuna, era o mais seguido em matéria europeia nos antipodas do seu pensamento: patrioteiro, e portanto partidário da unificação dos países mais perigosos para a França; pacifista, e entretanto pronto a fazer a guerra para o principio das nacionalidades. Do mesmo modo dizer que a audiência de Proudhon foi finalmente limitada; pois aqueles que não cumpriam sobre estes pontos essenciais, compreenderam-nos mal.
Antes da sua morte, um punhado de fiéis mantêm corajosamente o pensamento integral do mestre. Mas eles foram baleados pelas prescições de 71, pela instalação definitiva da democracia jacobina na Europa e a subida do marxismo que se seguiu. O pensamento proudhoniano está então refugiado no seio desta federação jurassiana, de tendência anarquista, que tinha deixado a Internacional inteiramente submissa às operações doutrinais e tácticas de Marx. Desta pequena cidade de Chaux-de-Fonds, na Jura suíço, tão profundamente impregnada de tradições federalistas, parece que o proudhonismo tinha irradiado sobre alguns movimentos pacifistas tendo o seu centro em Genebra. Não é sem surpresa, efectivamente, que se reencontra, perto de 1880, o jornal Os Estados Unidos da Europa fundado pelo santo-simoniano Charles Lemonnier e que tinha sido outrora a voz mais pálida “Liga da Paz e da Liberdade” (desonrada por Proudhon e, igualmente, por Marx que o chamava: “o saco à venda em Genebra”), reclamar das ideias proudhonianas. Os jurassistas deverão passar para lá e também Bakounine, que tinha aderido à liga em 1867.
As tendências mutualistas, cooperativas, federalistas, do movimento operário francês que ficaram bem vivas até perto de 1900 não parecem estar muito preocupadas com a Europa. Do mesmo modo, mas numa medida medíocre, o ”retorno a Proudhon”, que é produto de França a partir de 1911 e não atingiu por outro lado milhões bem restritos. Alguns juristas de grande valor, teóricos do federalismo e do internacionalismo, têm todavia participado neste movimento. É antes de mais nos outros países que é necessário procurar uma sobrevivência de Proudhon. O anarquismo italiano e espanhol, os regionalismos basco e catalão, o saber e o não saber, são tendências proudhonianas ainda que com uma nuance particular que não estava no pensamento de Proudhon. É preciso esperar por uma época toda ela recente para reencontrar uma influência, ainda difusa, neste momento, do autor do Príncipio Federativo sobre o movimento europeu.
terça-feira, dezembro 28, 2010
Serenos e inteligentes ... como o Professor Marcelo?
Se no plano financeiro a situação é má, "no plano social vai ser ainda pior", embora acredite que os portugueses não se vão revoltar como noutros países. "São serenos e inteligentes". As famílias "vão ter de baixar o seu nível de comportamento em 10% a 25%", sendo que "os mais ricos terão de baixar mais". Isso acontecerá através da inflação, dos cortes nos apoios sociais, da subida de impostos e da maior contenção salarial.
Normalmente já evito ouvir as "lições" do Professor Martelo por já não ter paciência para as tendenciosas banalidades ditas como se fossem fruto de um ponderado e profundo pensamento. Claro que há sempre pérolas como considerar que ser-se "bovino" e não refilar quando se está a ser conduzido para o matadouro é ser-se sereno e inteligente ou que serão os mais ricos que terão de baixar mais o seu nível de vida. (Será que é irem por ficarem sem apoios sociais?)
WikiLeaks: maior associação europeia de hackers critica papel de Julian Assange
A maior associação europeia de hackers congratulou-se hoje com a divulgação de telegramas diplomáticos norte-americanos pelo site WikiLeaks, mas criticou o papel do fundador do portal e dos cinco jornais que tiveram acesso à totalidade dos documentos.
"Apesar de não termos uma posição conjunta, todos estamos de acordo de que fomentar a transparência do trabalho dos governos é positivo", afirmou o porta-voz do Chaos Computer Club (CCC) à agência noticiosa EFE.
Andreas Bogk explicou, no entanto, que os milhares de piratas informáticos atualmente reunidos num congresso em Berlim mostram-se céticos quanto ao "culto da personalidade" que se gerou em torno do fundador do Wikileaks, Julian Assange, que consideram tem diminuído o impacto da informação revelada.
O Chaos Computer Club critica igualmente os cinco jornais internacionais que receberam em exclusivo a totalidade do correio diplomático norte-americano obtido pelo Wikileaks (The Guardian, El País, New York Times, Le Monde e Der Spiegel), considerando que estes não têm explorado ao máximo a potencialidade dessas informações.
"Apesar de não termos uma posição conjunta, todos estamos de acordo de que fomentar a transparência do trabalho dos governos é positivo", afirmou o porta-voz do Chaos Computer Club (CCC) à agência noticiosa EFE.
Andreas Bogk explicou, no entanto, que os milhares de piratas informáticos atualmente reunidos num congresso em Berlim mostram-se céticos quanto ao "culto da personalidade" que se gerou em torno do fundador do Wikileaks, Julian Assange, que consideram tem diminuído o impacto da informação revelada.
O Chaos Computer Club critica igualmente os cinco jornais internacionais que receberam em exclusivo a totalidade do correio diplomático norte-americano obtido pelo Wikileaks (The Guardian, El País, New York Times, Le Monde e Der Spiegel), considerando que estes não têm explorado ao máximo a potencialidade dessas informações.
P.S. O culto da personalidade não deve ser admitido em nenhuma circunstância e é sempre... contraproducente!
Defendam Assange, não o insultem
"Guardiães dos direitos das mulheres" na imprensa liberal britânica apressaram-se a condenar o fundador da Wikileaks. Na verdade, de todas as vezes que é envolvido no nosso sistema de justiça, os seus direitos individuais fundamentais têm sido violados.
Há quarenta anos, um livro intitulado The Greening of America causou sensação. Na capa estavam escritas estas palavras: "Aproxima-se uma revolução. Não é uma revolução como as do passado. Tem origem no indivíduo". Eu era correspondente nos EUA nessa altura, e lembro-me de como numa noite foi elevado ao status de guru o autor, o jovem académico de Yale, Charles Reich. A sua mensagem era a de que a acção política tinha falhado e só a "cultura" e a introspecção poderiam mudar o mundo. Isto combinado com uma insidiosa campanha de relações públicas empresariais que visava recuperar o capitalismo ocidental a partir do sentimento de liberdade inspirado pelos direitos cívicos e movimentos anti-guerra. Os eufemismos da nova propaganda eram o pós-modernismo, consumismo e "ego-ismo".
O ego era agora o zeitgeist. Impulsionado pelas forças do lucro e da comunicação social, a busca da consciência individual quase dominou o espírito da justiça social e do internacionalismo. Uma nova divindade foi proclamada, o individual era a política. Em 1995, Reich publicou Opposing the System, no qual repudiou quase tudo do The Greening of America.
"Não haverá nenhuma sensação de alívio com insegurança económica ou com a ruína das pessoas," escreveu ele" até reconhecemos que as forças económicas descontroladas criam o conflito e não o bem-estar…." Não houve filas nas livrarias dessa vez. No tempo do neoliberalismo económico, Reich estava em contradição com o individualismo desenfreado da nova elite política e cultural do ocidente.
Há quarenta anos, um livro intitulado The Greening of America causou sensação. Na capa estavam escritas estas palavras: "Aproxima-se uma revolução. Não é uma revolução como as do passado. Tem origem no indivíduo". Eu era correspondente nos EUA nessa altura, e lembro-me de como numa noite foi elevado ao status de guru o autor, o jovem académico de Yale, Charles Reich. A sua mensagem era a de que a acção política tinha falhado e só a "cultura" e a introspecção poderiam mudar o mundo. Isto combinado com uma insidiosa campanha de relações públicas empresariais que visava recuperar o capitalismo ocidental a partir do sentimento de liberdade inspirado pelos direitos cívicos e movimentos anti-guerra. Os eufemismos da nova propaganda eram o pós-modernismo, consumismo e "ego-ismo".
O ego era agora o zeitgeist. Impulsionado pelas forças do lucro e da comunicação social, a busca da consciência individual quase dominou o espírito da justiça social e do internacionalismo. Uma nova divindade foi proclamada, o individual era a política. Em 1995, Reich publicou Opposing the System, no qual repudiou quase tudo do The Greening of America.
"Não haverá nenhuma sensação de alívio com insegurança económica ou com a ruína das pessoas," escreveu ele" até reconhecemos que as forças económicas descontroladas criam o conflito e não o bem-estar…." Não houve filas nas livrarias dessa vez. No tempo do neoliberalismo económico, Reich estava em contradição com o individualismo desenfreado da nova elite política e cultural do ocidente.
A Flotilha arranca de novo
Estamos com Manuel Tapial e Laura Arau, participantes na Flotilha de barcos que tentou levar ao povo de Gaza alimentos, medicamentos, livros, material médico e outros elementos com os quais ajudar a reconstruir minimamente uma vida digna. Depois da amarga experiência do assalto pelos sionazis em águas internacionais aos barcos solidários e a matança de internacionalistas que os sionazis provocaram, e a prisão que os sobreviventes sofreram, desde que chegaram a Espanha Manuel e Laura não pararam de lutar até pôr em marcha a campanha www.rumboagaza.org com o fim de recolher o dinheiro necessário para comprar dois barcos a juntar à próxima Flotilha internacional que já, sem nenhuma dúvida, será muito mais numerosa que a anterior e de um impacto solidário com o povo de Gaza como até agora não se conheceu. De modo que, se queres colaborar com os internacionalistas ou sabes de alguém que esteja interessado em fazê-lo, este é um bom momento, difunde-o. Sem esquecer que em datas de compras como aquelas em que estamos é muito importante manter o boicote aos produtos fabricados em Israel, cujo código de barras começa por 729.
O NEGRO E O VERMELHO
Era Proudhon um Federalista Integral?
Para tratar deste assunto, bastará comentar uma carta de Proudhon, depois de ter sublinhado que ele sempre teve uma sensibilidade muito viva para agarrar ão bem os aspectos particulares das coisas que o ligam unindo-os uns aos outros. Ele possuía, instintivamente, um espírito dialéctico. O seu pensamento, atenta em procurar a diversidade na unidade, permanece sempre contudo global, integral; ela nunca está dividida, limitada, ou especializada. Alguma dúvida sobre o feito que, desde que ele seja convertido da anarquia ao federalismo – como ele prórpio o admite abertamente escrevendo a 2 de Novembro de 1862 a Milliet (84) – ele entende ser um federalismo integral.
Todavia, parece que Proudhon havia cumprido o integralismo de duas maneiras diferentes e que se excluem na teoria, sem que ele nunca tenha parecido dar conta da sua diferença nem da sua oposição. Também se pode encontrar no seu pensamento duas concepções de integralismo, bem como as conexões arbitrárias, quando este não é uma verdadeira e real confusão, entre as duas formas de ver. Ora existe uma carta onde este aspecto do seu pensamento se manifesta com grande evidência. Este texto chamará a atenção de Sainte-Beuve que o publica com muitas outras na sua obra sobre Proudhon, aparecendo na Revista Contemporânea, depois posteriormente em volume (85). Esta carta é assim apresentada: “Proudhon lá respondeu (à carta de Antoine Gauthier sobre as suas duas primeiras memórias) por uma carta que é uma das mais curiosas e das mais essenciais, o que ela mostra ao natural e à franqueza pela cordialidade “franc-comtoise”, bom compadre e companheiro, e também sabendo reduzir muito bem, quando lhe convinha, a sua utopia ao mínimo, não a mostrando mais como uma perfeição ideal num longínquo indefinido, e indincando de perto as únicas medidas de reforma que ele designava para o apresentar. Não se sabia nada de concreto nem de mais sincero”. Eu estou de acordo sobre a precisão e sobre a sinceridade, de modo nenhum sobre a redução da utopia ao mínimo. Eu vejo, pelo contrário, uma contradição. De algum modo, eis as passagens essenciais da carta (as itálicas e as maiúsculas estão no texto publicado por Sainte-Beuve):
“Tu exiges-me explicações sobre o modo de reconstituir a sociedade. Eu quero responder em poucas palavras e tentar dar-te a este respeito, as ideias justas.
“Desde que leste o meu livro, tu deves compreender que ele não se agita imediatamente a imaginar, combinar no nosso cérebro um sistema que nós apresentaremos de seguida; não é assim que se reforma o mundo. A sociedade não se pode corrigir por ela própria, ou seja, é preciso estudar a natureza humana em todas as suas manifestações, nas leis, nas religiões, nos costumes, na ecónomia política; extrair desta enorme massa, pelas operações da metafísica (86) o que é verdadeiro, eliminar o que é vicioso, falso ou incompleto, e todos os elementos conservados, formar os príncipios gerais que servem as regras. Este trabalho levará séculos até ir de encontro ao seu complemento.
“Isto parece-te desesperante; mas tranquiliza-te. Em toda a reforma, existem duas coisas distintas: a transição e a perfeição ou a conclusão.
“A primeira é que a sociedade actual seja chamada a operar: e bem! Sobre que princípios iremos realizar esta transição? – Tu encontrarás a resposta a esta questão combinado em conjunto algumas passagens da minha Segunda Memória (páginas 10-11) (87), converter todas as rendas, e, generalizando-os, baixar a taxa de todos os lucros; p.16, reforma da banca;p.28-29, emissão de capital ao pequeno interesse, reforma nos bancários; p.33-37, abolição progressiva das alfândegas; p.179, atacar a propriedade pelo interesse; p.184, etc.
“Tu concedes que um sistema de abolição progressivo ao que eu chamo de fortuna, é o mesmo que dizer pensões, rendas, aluguer, grandes tratamentos, concorrência, etc., ficaria quase sem efeito da propriedade, pois, se ela é nociva, é sobretudo por interesse.
“Mas esta abolição progressiva não seria mais que uma negação do mal, mas não mais uma organização positiva. Ora, para isto, meu caro amigo, eu posso muito bem dar os príncipios e as leis gerais, mas, só, eu não posso chegar a todos os detalhes. É um trabalho que absorveria cinquenta Montesquieu. Pela minha parte, eu daria os axiomas, eu forneceria os exemplos e um método, eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto.
“Assim, eu acredito que ninguém sobre a terra é capaz, como se quis dizer de Sainte-Simon e de Fourier, de dar um sistema composto de todas as peças e completo, não se fez mais do que jogar. É a mensagem mais detestável que se pode apresentar aos homens, e é por isso que eu sou um forte opositor do Fourierismo. A ciência social é infinita: nenhum homem a possui, mais ainda que nenhum homem sabe de medicina, da física ou das matemáticas. Mas nós podemos descobrir os príncipios, depois os elementos, depois uma parte que irá sempre crescendo. Ora o que eu faço imediatamente é determinar os elementos da ciência política e legislativa.
“Por exemplo, eu mantenho o direito de sucessão, e eu quero a igualdade: como conciliar isso? É aqui que é preciso entrar na organização. Este problema será resolvido na Terceira Memória, com muitos outros. Neste momento eu não posso dizer tudo: faltariam-me vinte páginas.
“Enfim, se a política e a legislação são uma ciência, tu compreendes que os príncipios podem ser muito simples, às perceptíveis inteligências, mas que, para chegar à solução de algumas questões de detalhe ou de uma ordem superior, é preciso uma série de racíocinios e de instruções todas elas análogas aos cálculos pelos quais se determina o movimento dos astros. É isso mesmo que eu te digo das dificuldades da ciência social, será uma das coisas mais curiosas da minha Terceira Memória, e que provará o melhor da boa fé e a nulidade das invenções políticas.
“Em duas palavras: abolir progressivamente e até à extinção da alfândega, eis a transição. A organização resultará do príncipio da divisão do trabalho e da força colectiva, combinada com o manter da personalidade no homem e do cidadão (…).
“O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior naquela das alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-á por ele próprio…”
O essencial da primeira concepção do integralismo basea-se sobre a ideia, claramente formulada, segundo a qual “a sociedade não se pode corrigir por ele própria”: a segunda, pelo contrário, sobre a afirmação que qualquer um pode fazer alguma coisa para corrigir a sociedade: “abolir progressivamente e até à extinção da fortuna”. O deslize da primeira à segunda concepção reside no recurso arbitrário à ideia que em toda a reforma, existem dois aspectos: “a transição e a perfeição ou conclusão”, o que permite a Proudhon compreender a “transição” uma vez como um simples trabalho negativo. (“a negação do mal”) e uma outra vez como o feito essencial: “O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior nas alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-à por ele próprio”.
É neste momento que se contacta, segundo eu, a confusão entre as duas concepções. A “transição”tornou-se o todo: na primeira fórmula, o que se corrige por si-próprio é a “sociedade”, na segunda, é o “resto”. O desabamento é completo, mas Proudhon não se apercebe que o verbo “corrigir” não tem o mesmo assunto. Ele não se apercebe mais do feito que na primeira fórmula, se agita no assunto – a sociedade – que se corrige de si própria, ou seja que ele se agita na segunda fórmula, ele agita-se no assunto – o resto – privado de todo o carácter, onde a correcção é também ela um fim, uma operação inteiramente passiva que se efectua como movimento metido em marcha de exterior. “Eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto”.
E, feito significativo sobre aquele que regressaria: na primeira perspectiva, a política, muitas vezes junto de Proudhon, é considerada como estéril (“a mutilidade das invenções políticas”) então na segunda, ela torna-se tudo (o essencial traduz-se por um problema de política interior: a abolição da fortuna, e da política exterior; a abolição das alfândegas; operações que no bom direito Proudhon chama de políticas porque elas reclamam as medidas legislativas, por conseguinte a intervenção do poder político).
Lá diz, é preciso examinar cuidadosamente o ponto sobre o qual as duas concepções se contradizem. “A sociedade corrige-se por si própria” significa que ninguém pode corrigi-la pois a sua evolução depende do concurso de todos. “Basta-lhe abolir a fortuna, e o fim far-se-à por si mesmo”, isso significa pelo contrário que a sociedade não se corrige ela própria, pois as suas modificações essenciais são consequência da intervenção de uma parte ela própria numericamente muito falível: o herói e a sua comitiva, o monarca e os seus dignatários, o partido político e os seus militantes, o revolucionário e seus companheiros; em todos os casos, um punhado de pessoas.
E eis-nos no ponto preciso onde se situa a contradição: ninguém pode modificar a situação social de todos (a sociedade); qualquer um pode modificar a situação social de todos. Esta contradição sonha com uma importância particular quando ele se agita no benefício da teoria com a prática.
O feito que a sociedade desenvolve por si mesma não impediria, pelo menos em teoria, que qualquer um pudesse conhecer inteiramente a sua evolução. Mas isso impediria-o de certeza, de impôr esta evolução social ao que este foi. Com efeito aquele que seguria esta prescrição não se agitaria mais pela sua própria vontade mas seria movido por aquela de um outro; se isso chegasse entretanto a acontecer, uma parcela da sociedade – e por conseguinte a sociedade considerada como um todo – não evoluiria mais por si própria, contráriamente à hipótese inicial.
Este racíocinio é exacto. Parece-me, uma fé despojada da sua rigidez e uma fé que tinha esclarecido que concerna os seus aspectos permanentes e importantes do comportamento social. É um feito que as grandes perturbações podem ser provocados pelo poder de um pequeno número. Mas estas perturbações são precárias e provisórias. Todos aqueles que modificam a sua conduta, não antes da sua razão e da sua vontade, mas antes das solicitações exteriores, chegam ao seu estado precedente quando esta solicitação vem a faltar. Por esta razão, as modificações sociais obtidas sem o auxílio de todos são instáveis, e por conseguinte, em última análise, sem importância.
Assim esclarecida, a primeira concepção do integralismo parece-me exacta. Mas, aplicada com rectidão, ela não oferece um verdadeiro critério para a acção social (social no sentido alargado: político, económico, jurídico, etc.). Permite acima de tudo mais a prevenção que a acção. Isso não significa que ela faça obstáculo à acção social. Ela facilita-a pelo contrário, mas unicamente no que ela facilita o conhecimento particular que serve à acção social. E como este conhecimento é aquele da situação no qual cada um se encontra entre outros – que o condicionam e que não partilham inteiramente a sua concepção global – está visto, nesta hipótese, que no lugar de impôr aos outros a nossa concepção, nós aceitemo-la sem a fazer nossa. Logo, se esta concepção é exacta, é certo também que, nós alargaríamos mais o cerco do nosso conhecimento em direcção á totalidade, nós devemos aceitar mais os outros na sua diversidade. Tudo isso parece-me não somente verdadeiro mas profundamente bom. Se o conhecimento global podia transmudar-se na acção social, o detentor deste conhecimento chegaria a dispôr de todos os outros, e a liberdade de cada um seria destruída. A liberdade de todos exige que o conhecimento global se traduza exclusivamente em acções individuais, na vida interior, não na vida social. O conhecimento é indispensável à acção, e vice-versa. Mas o homem, ser imperfeito, não pode possuir o conhecimento até ao fim sem perder a acção, como de outra parte, ele não pode possuir a acção até ao fim sem perder o conhecimento, e sem afundar-se na pura bestialidade.
Efectivamente, toca-se, falando do integralismo, no limite da condição humana; e, a meu ver, não é preciso admirar-se, se a este ponto, ele manifesta uma contradição, uma obscuridade, um mistério. Do ponto de vista da razão, não lhe resta mais neste grau que aceitar a dialética da propriedade, ou seja, a concepção da dialética do amado director desta revista, onde se lirá o exposto aqui-antes.
Em conclusão, a primeira concepção do integralismo, que indevidamente, Proudhon confunde com a segunda, não exclui a acção social mas favorece-a, na condição entretanto de não ter a pretensão de a transformar numa directiva rígida da acção, na condição portanto de saber se destacar quando se tenta elevar o conhecimento aos mais altos cumes. A acção seria então imposta, ou seja uma acção estéril. E a segunda? Como é que se determina, na segunda concepção, o benefício teórico-prático? De maneira absolutamente oposta. Nesta perspectiva o conhecimento, nomeado, que ele seja justo – será tanto mais justo que será global – deveria constituir o critério da acção social. Nada mais, mesmo quando só um pequeno número a possui, mesmo quando esta acção é querida por uma só pessoa e recusada por todas as outras; pois, nesta hipótese, a sociedade pode ser modificada por alguns, e por conseguinte os outros – aqueles que não possuem o justo conhecimento – não contam.
Mas ele só se trata de uma visão do espírito. Do ponto de vista social, o homem sózinho é condenado. Aquele que fica na minoria, seria uma minoria substancial, é ultrapassado. Ele não pode agir. Se ele não se resigna, não lhe resta mais que a estéril agitação no vazio, a caricatura da acção. A meu ver, isso demonstra que não somente a segunda concepção do integralismo exclui a acção social, mais também que ela é falsa pois não pode alcançar somente ao seu objecto teórico, o conhecimento integral. É um feito que qualquer um tenta isolar-se na sua experiência e, portanto, agir segundo esta concepção, passa ao lado dos outros sem lhe dar conta, sem os conhecer; e não conhecer os outros, é nada conhecer senão a sua própria alucinação.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo (88).
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.
Para tratar deste assunto, bastará comentar uma carta de Proudhon, depois de ter sublinhado que ele sempre teve uma sensibilidade muito viva para agarrar ão bem os aspectos particulares das coisas que o ligam unindo-os uns aos outros. Ele possuía, instintivamente, um espírito dialéctico. O seu pensamento, atenta em procurar a diversidade na unidade, permanece sempre contudo global, integral; ela nunca está dividida, limitada, ou especializada. Alguma dúvida sobre o feito que, desde que ele seja convertido da anarquia ao federalismo – como ele prórpio o admite abertamente escrevendo a 2 de Novembro de 1862 a Milliet (84) – ele entende ser um federalismo integral.
Todavia, parece que Proudhon havia cumprido o integralismo de duas maneiras diferentes e que se excluem na teoria, sem que ele nunca tenha parecido dar conta da sua diferença nem da sua oposição. Também se pode encontrar no seu pensamento duas concepções de integralismo, bem como as conexões arbitrárias, quando este não é uma verdadeira e real confusão, entre as duas formas de ver. Ora existe uma carta onde este aspecto do seu pensamento se manifesta com grande evidência. Este texto chamará a atenção de Sainte-Beuve que o publica com muitas outras na sua obra sobre Proudhon, aparecendo na Revista Contemporânea, depois posteriormente em volume (85). Esta carta é assim apresentada: “Proudhon lá respondeu (à carta de Antoine Gauthier sobre as suas duas primeiras memórias) por uma carta que é uma das mais curiosas e das mais essenciais, o que ela mostra ao natural e à franqueza pela cordialidade “franc-comtoise”, bom compadre e companheiro, e também sabendo reduzir muito bem, quando lhe convinha, a sua utopia ao mínimo, não a mostrando mais como uma perfeição ideal num longínquo indefinido, e indincando de perto as únicas medidas de reforma que ele designava para o apresentar. Não se sabia nada de concreto nem de mais sincero”. Eu estou de acordo sobre a precisão e sobre a sinceridade, de modo nenhum sobre a redução da utopia ao mínimo. Eu vejo, pelo contrário, uma contradição. De algum modo, eis as passagens essenciais da carta (as itálicas e as maiúsculas estão no texto publicado por Sainte-Beuve):
“Tu exiges-me explicações sobre o modo de reconstituir a sociedade. Eu quero responder em poucas palavras e tentar dar-te a este respeito, as ideias justas.
“Desde que leste o meu livro, tu deves compreender que ele não se agita imediatamente a imaginar, combinar no nosso cérebro um sistema que nós apresentaremos de seguida; não é assim que se reforma o mundo. A sociedade não se pode corrigir por ela própria, ou seja, é preciso estudar a natureza humana em todas as suas manifestações, nas leis, nas religiões, nos costumes, na ecónomia política; extrair desta enorme massa, pelas operações da metafísica (86) o que é verdadeiro, eliminar o que é vicioso, falso ou incompleto, e todos os elementos conservados, formar os príncipios gerais que servem as regras. Este trabalho levará séculos até ir de encontro ao seu complemento.
“Isto parece-te desesperante; mas tranquiliza-te. Em toda a reforma, existem duas coisas distintas: a transição e a perfeição ou a conclusão.
“A primeira é que a sociedade actual seja chamada a operar: e bem! Sobre que princípios iremos realizar esta transição? – Tu encontrarás a resposta a esta questão combinado em conjunto algumas passagens da minha Segunda Memória (páginas 10-11) (87), converter todas as rendas, e, generalizando-os, baixar a taxa de todos os lucros; p.16, reforma da banca;p.28-29, emissão de capital ao pequeno interesse, reforma nos bancários; p.33-37, abolição progressiva das alfândegas; p.179, atacar a propriedade pelo interesse; p.184, etc.
“Tu concedes que um sistema de abolição progressivo ao que eu chamo de fortuna, é o mesmo que dizer pensões, rendas, aluguer, grandes tratamentos, concorrência, etc., ficaria quase sem efeito da propriedade, pois, se ela é nociva, é sobretudo por interesse.
“Mas esta abolição progressiva não seria mais que uma negação do mal, mas não mais uma organização positiva. Ora, para isto, meu caro amigo, eu posso muito bem dar os príncipios e as leis gerais, mas, só, eu não posso chegar a todos os detalhes. É um trabalho que absorveria cinquenta Montesquieu. Pela minha parte, eu daria os axiomas, eu forneceria os exemplos e um método, eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto.
“Assim, eu acredito que ninguém sobre a terra é capaz, como se quis dizer de Sainte-Simon e de Fourier, de dar um sistema composto de todas as peças e completo, não se fez mais do que jogar. É a mensagem mais detestável que se pode apresentar aos homens, e é por isso que eu sou um forte opositor do Fourierismo. A ciência social é infinita: nenhum homem a possui, mais ainda que nenhum homem sabe de medicina, da física ou das matemáticas. Mas nós podemos descobrir os príncipios, depois os elementos, depois uma parte que irá sempre crescendo. Ora o que eu faço imediatamente é determinar os elementos da ciência política e legislativa.
“Por exemplo, eu mantenho o direito de sucessão, e eu quero a igualdade: como conciliar isso? É aqui que é preciso entrar na organização. Este problema será resolvido na Terceira Memória, com muitos outros. Neste momento eu não posso dizer tudo: faltariam-me vinte páginas.
“Enfim, se a política e a legislação são uma ciência, tu compreendes que os príncipios podem ser muito simples, às perceptíveis inteligências, mas que, para chegar à solução de algumas questões de detalhe ou de uma ordem superior, é preciso uma série de racíocinios e de instruções todas elas análogas aos cálculos pelos quais se determina o movimento dos astros. É isso mesmo que eu te digo das dificuldades da ciência social, será uma das coisas mais curiosas da minha Terceira Memória, e que provará o melhor da boa fé e a nulidade das invenções políticas.
“Em duas palavras: abolir progressivamente e até à extinção da alfândega, eis a transição. A organização resultará do príncipio da divisão do trabalho e da força colectiva, combinada com o manter da personalidade no homem e do cidadão (…).
“O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior naquela das alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-á por ele próprio…”
O essencial da primeira concepção do integralismo basea-se sobre a ideia, claramente formulada, segundo a qual “a sociedade não se pode corrigir por ele própria”: a segunda, pelo contrário, sobre a afirmação que qualquer um pode fazer alguma coisa para corrigir a sociedade: “abolir progressivamente e até à extinção da fortuna”. O deslize da primeira à segunda concepção reside no recurso arbitrário à ideia que em toda a reforma, existem dois aspectos: “a transição e a perfeição ou conclusão”, o que permite a Proudhon compreender a “transição” uma vez como um simples trabalho negativo. (“a negação do mal”) e uma outra vez como o feito essencial: “O essencial hoje em dia é fixar os teus olhares sobre a propriedade e de resumir toda a política interior na questão da abolição, e a política exterior nas alfândegas. Tudo está lá: o resto corrigir-se-à por ele próprio”.
É neste momento que se contacta, segundo eu, a confusão entre as duas concepções. A “transição”tornou-se o todo: na primeira fórmula, o que se corrige por si-próprio é a “sociedade”, na segunda, é o “resto”. O desabamento é completo, mas Proudhon não se apercebe que o verbo “corrigir” não tem o mesmo assunto. Ele não se apercebe mais do feito que na primeira fórmula, se agita no assunto – a sociedade – que se corrige de si própria, ou seja que ele se agita na segunda fórmula, ele agita-se no assunto – o resto – privado de todo o carácter, onde a correcção é também ela um fim, uma operação inteiramente passiva que se efectua como movimento metido em marcha de exterior. “Eu meteria a coisa em andamento; cabe ao mundo fazer o resto”.
E, feito significativo sobre aquele que regressaria: na primeira perspectiva, a política, muitas vezes junto de Proudhon, é considerada como estéril (“a mutilidade das invenções políticas”) então na segunda, ela torna-se tudo (o essencial traduz-se por um problema de política interior: a abolição da fortuna, e da política exterior; a abolição das alfândegas; operações que no bom direito Proudhon chama de políticas porque elas reclamam as medidas legislativas, por conseguinte a intervenção do poder político).
Lá diz, é preciso examinar cuidadosamente o ponto sobre o qual as duas concepções se contradizem. “A sociedade corrige-se por si própria” significa que ninguém pode corrigi-la pois a sua evolução depende do concurso de todos. “Basta-lhe abolir a fortuna, e o fim far-se-à por si mesmo”, isso significa pelo contrário que a sociedade não se corrige ela própria, pois as suas modificações essenciais são consequência da intervenção de uma parte ela própria numericamente muito falível: o herói e a sua comitiva, o monarca e os seus dignatários, o partido político e os seus militantes, o revolucionário e seus companheiros; em todos os casos, um punhado de pessoas.
E eis-nos no ponto preciso onde se situa a contradição: ninguém pode modificar a situação social de todos (a sociedade); qualquer um pode modificar a situação social de todos. Esta contradição sonha com uma importância particular quando ele se agita no benefício da teoria com a prática.
O feito que a sociedade desenvolve por si mesma não impediria, pelo menos em teoria, que qualquer um pudesse conhecer inteiramente a sua evolução. Mas isso impediria-o de certeza, de impôr esta evolução social ao que este foi. Com efeito aquele que seguria esta prescrição não se agitaria mais pela sua própria vontade mas seria movido por aquela de um outro; se isso chegasse entretanto a acontecer, uma parcela da sociedade – e por conseguinte a sociedade considerada como um todo – não evoluiria mais por si própria, contráriamente à hipótese inicial.
Este racíocinio é exacto. Parece-me, uma fé despojada da sua rigidez e uma fé que tinha esclarecido que concerna os seus aspectos permanentes e importantes do comportamento social. É um feito que as grandes perturbações podem ser provocados pelo poder de um pequeno número. Mas estas perturbações são precárias e provisórias. Todos aqueles que modificam a sua conduta, não antes da sua razão e da sua vontade, mas antes das solicitações exteriores, chegam ao seu estado precedente quando esta solicitação vem a faltar. Por esta razão, as modificações sociais obtidas sem o auxílio de todos são instáveis, e por conseguinte, em última análise, sem importância.
Assim esclarecida, a primeira concepção do integralismo parece-me exacta. Mas, aplicada com rectidão, ela não oferece um verdadeiro critério para a acção social (social no sentido alargado: político, económico, jurídico, etc.). Permite acima de tudo mais a prevenção que a acção. Isso não significa que ela faça obstáculo à acção social. Ela facilita-a pelo contrário, mas unicamente no que ela facilita o conhecimento particular que serve à acção social. E como este conhecimento é aquele da situação no qual cada um se encontra entre outros – que o condicionam e que não partilham inteiramente a sua concepção global – está visto, nesta hipótese, que no lugar de impôr aos outros a nossa concepção, nós aceitemo-la sem a fazer nossa. Logo, se esta concepção é exacta, é certo também que, nós alargaríamos mais o cerco do nosso conhecimento em direcção á totalidade, nós devemos aceitar mais os outros na sua diversidade. Tudo isso parece-me não somente verdadeiro mas profundamente bom. Se o conhecimento global podia transmudar-se na acção social, o detentor deste conhecimento chegaria a dispôr de todos os outros, e a liberdade de cada um seria destruída. A liberdade de todos exige que o conhecimento global se traduza exclusivamente em acções individuais, na vida interior, não na vida social. O conhecimento é indispensável à acção, e vice-versa. Mas o homem, ser imperfeito, não pode possuir o conhecimento até ao fim sem perder a acção, como de outra parte, ele não pode possuir a acção até ao fim sem perder o conhecimento, e sem afundar-se na pura bestialidade.
Efectivamente, toca-se, falando do integralismo, no limite da condição humana; e, a meu ver, não é preciso admirar-se, se a este ponto, ele manifesta uma contradição, uma obscuridade, um mistério. Do ponto de vista da razão, não lhe resta mais neste grau que aceitar a dialética da propriedade, ou seja, a concepção da dialética do amado director desta revista, onde se lirá o exposto aqui-antes.
Em conclusão, a primeira concepção do integralismo, que indevidamente, Proudhon confunde com a segunda, não exclui a acção social mas favorece-a, na condição entretanto de não ter a pretensão de a transformar numa directiva rígida da acção, na condição portanto de saber se destacar quando se tenta elevar o conhecimento aos mais altos cumes. A acção seria então imposta, ou seja uma acção estéril. E a segunda? Como é que se determina, na segunda concepção, o benefício teórico-prático? De maneira absolutamente oposta. Nesta perspectiva o conhecimento, nomeado, que ele seja justo – será tanto mais justo que será global – deveria constituir o critério da acção social. Nada mais, mesmo quando só um pequeno número a possui, mesmo quando esta acção é querida por uma só pessoa e recusada por todas as outras; pois, nesta hipótese, a sociedade pode ser modificada por alguns, e por conseguinte os outros – aqueles que não possuem o justo conhecimento – não contam.
Mas ele só se trata de uma visão do espírito. Do ponto de vista social, o homem sózinho é condenado. Aquele que fica na minoria, seria uma minoria substancial, é ultrapassado. Ele não pode agir. Se ele não se resigna, não lhe resta mais que a estéril agitação no vazio, a caricatura da acção. A meu ver, isso demonstra que não somente a segunda concepção do integralismo exclui a acção social, mais também que ela é falsa pois não pode alcançar somente ao seu objecto teórico, o conhecimento integral. É um feito que qualquer um tenta isolar-se na sua experiência e, portanto, agir segundo esta concepção, passa ao lado dos outros sem lhe dar conta, sem os conhecer; e não conhecer os outros, é nada conhecer senão a sua própria alucinação.
O que eu digo até aqui tem uma importância particular no que diz respeito à política. A política pertence ao domínio da acção do pequeno número sobre a massa. Ela não devia então procurar transformar a sociedade. Ele não pode fazê-lo, e, se, tomado pela euforia, ela tenta-o, contudo ela não pode arrastar as perturbações, nunca as mudanças reais e verdadeiras. Por conseguinte, ela não se pode basear sobre o conhecimento global, mas somente sobre um conhecimento particular: o conhecimento das situações e dos problemas do poder. No meu sentido, isso queria para o federalismo também, na medida onde o federalismo tem o dever político de destruir as instituições da centralização e do encerramento, para fundar aquelas da abertura e do pluralismo (88).
Isso não quer dizer que o federalismo não o seja mais ainda. Eu creio doravante que ele pode elevar-se à altura de um conhecimento global. Mas, neste caso, mesmo que ele possa ser uma ajuda aos conhecimentos, particulariedades indispensáveis à acção social, ele não pode, a meu ver, traduzir-se na acção, mas somente na previsão. A precisão, creio eu, que desta forma, e farão doravante no futuro, os homens mesmo que eles se agitem espontaneamente, ou seja, no conhecimento do novo curso da história.
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